No mundo ocidental
se espalhou a fama da medicina alternativa chinesa como a panaceia para todos
os males.
Defensores
dessa medicina alternativa alegam que essa sabedoria antiga foi e é de uso
comum por toda a China.
E que o
mundo ocidental está se conscientizando de seu valor.
Céticos
dessa posição apontam que a medicina alternativa era utilizada apenas em áreas
rurais chinesas onde os tratamentos convencionais não estavam disponíveis, e
tornou-se popular porque era barata, não porque era eficaz.
A história
real traz uma perspectiva interessante a ambos pontos de vista.
Por volta
do meio do século XX acontecia na China a Revolução Cultural de
Mao
Tsé-Tung.
No início
deste período, a maioria dos chineses era uma das populações mais isoladas do
mundo.
Desconheciam
a chegada das inovações modernas.
Viviam inconscientes
do que se passava em se tratando de ciência e tecnologia.
Suas visões
de mundo eram dominadas pelas tradições locais.
A medicina
raramente era vista por qualquer uma dessas populações.
Quando
alguém adoecia, tratamentos tradicionais baseados em séculos de crenças não-científicas
eram o que conheciam e aplicavam.
Enquanto
isso, na maioria dos centros industrializados de população do mundo, incluindo
as grandes cidades da China, hospitais praticavam medicina de ponta.
Em 1949, a
Academia Chinesa de Ciências era uma das principais instituições de pesquisa do
mundo em ciências da vida e medicina.
Uma
diferença que você veria entre hospitais chineses e hospitais de outros países
era o uso da acupuntura, que era e ainda é relativamente bastante usada.
Entretanto,
com uma reserva importante.
Na China, a
acupuntura é usada apenas para alívio da dor, nunca como um tratamento.
E sempre em
conjunção com analgésicos convencionais quando disponíveis.
É
essencialmente um ornamento ao lado dos mesmos tratamentos básicos usados em
outros hospitais modernos.
Essa
aplicação da melhor ciência médica disponível ia muito bem para aqueles
chineses que viviam nas cidades, mas não ia muito bem para aqueles a mil
quilômetros, no campo, que mal sabiam até mesmo da existência das cidades.
Em 1946, a
população urbana ainda era menos de 2% da população nacional, com a esmagadora
maioria vivendo em áreas rurais remotas. Ainda assim, esses 2% que viviam nas
cidades recebiam quase todo o orçamento de saúde pública da China, e todos eles
se beneficiavam das inovações da medicina moderna.
O governo
de Mao tentara desde 1949 recrutar e encorajar médicos a se mudarem das cidades
para o campo, mas isso fora em grande parte um fracasso.
Qualquer
serviço de saúde que havia, era principalmente provido por equipes de médicos
viajantes que passavam algumas semanas nas províncias mais distantes, mas então
retornavam a seus hospitais nas cidades, onde podiam obter uma renda decente.
Em 1958,
Mao Tsé-Tung lançou um jornal do partido comunista na China
chamado Bandeira Vermelha, que era o principal porta-voz por toda a China
para os programas de reforma de Mao, explicando os planos e expondo a
filosofia.
Um dos
problemas nacionais que o Bandeira Vermelha abordava era a saúde
pública.
O problema de
saúde publica tornou-se mais pronunciado com a cada vez maior disseminação da
esquistossomose, uma doença parasitária que causava infecção e danos a órgãos.
A
esquistossomose tornou-se algo como um ícone da falta de saúde pública na
China.
Mao bolou
um plano.
Em 1968,
o Bandeira Vermelha publicou o que viria a ser a solução chinesa. A
experiência de Mao o havia ensinado que esforços para forçar serviços de saúde
pública a saírem em direção ao campo estavam fadados ao fracasso, então fez o
oposto.
Fazendeiros
foram recrutados de toda a China, receberam treinamento gratuito, e foram
mandados de volta a suas próprias vilas para servir como profissionais médicos.
Dentro de
apenas alguns anos, cerca de 150 mil médicos e 350 mil paramédicos – meio
milhão de trabalhadores para servir mais de meio bilhão de pacientes –
trabalhavam por todo o país.
Eles
passaram a ser conhecidos como os médicos descalços.
Era
requerido que os candidatos tivessem ensino médio completo.
A maior
parte recebia de três a seis meses de treinamento no hospital mais próximo.
Os médicos
descalços não trabalhavam mais do que meio período como médicos.
Ainda lhes
era cobrado que continuassem seus trabalhos na agricultura para prevenir que a
produtividade sofresse queda.
Muitos
médicos descalços prosseguiram e frequentaram faculdades de medicina e
tornaram-se médicos licenciados.
De fato, o
Professor Chen Zhu, Ministro da Saúde da China e Vice Presidente da Academia
Chinesa de Ciências, de fato iniciou sua carreira como um médico descalço na
zona rural da província de Jiangxi antes de decidir cursar a faculdade de
medicina.
Em 1970, a
China se gabava de um grande exército de meio milhão de paramédicos.
Eram
treinados e tinham estações por todo o campo onde se faziam mais necessários.
Mas havia
ainda um problema, um problema muito grande.
Quase não
havia recursos para equipar os médicos descalços com instrumentos médicos,
suprimentos ou remédios.
Havia
tratamento disponível para a esquistossomose, mas não havia dinheiro para que
os médicos descalços fornecessem-no.
Então
empregaram o único recurso que a China sempre tivera em abundância:
Mão-de-obra.
Por toda a
China, médicos descalços orientaram trabalhadores a limpar lagos e córregos, e
erradicar a população de caramujos que alojavam os vermes causadores da doença.
Foram
bastante bem sucedidos.
Em quinze
anos, essa técnica simples diminuiu a incidência de esquistossomose de dez
milhões por ano para pouco mais de dois milhões, e em algumas áreas estava
praticamente eliminada.
Outra parte
significativa de seu treinamento era de primeiros socorros, para lidar com
ferimentos e outras emergências médicas.
Cuidados
pré e pós-natal também eram ensinados, assim como higiene básica como lavar as
mãos antes de comer.
Os médicos
descalços eram ensinados a reconhecer os sintomas e condições que demandavam
tratamento médico.
Eram
treinados a encaminhar tais pacientes para o hospital mais próximo.
Mas o que
fazer com doenças não tão sérias que não necessitavam hospitalização, mas
apenas cuidados de bem-estar e condições de tratamento simples?
Médicos
descalços estavam habilitados a receitar medicação, mas o problema era que a
medicação dificilmente chegava e era frequentemente muito cara para os
camponeses.
Mao sabia
que ele não tinha fundos para estocar 150 mil farmácias por toda a China.
Então, ele
forneceu uma alternativa.
O Comitê
Revolucionário de Saúde da Província de Hunan publicou um livro didático,
o Manual de um Médico Descalço, destinado a equipar o médico descalço não
equipado com tudo que precisava.
O manual é
surpreendentemente compreensível, dando instruções para como praticamente
qualquer doença esperada pode e deve ser tratada.
Ele cobre
anatomia básica, controle de natalidade, higiene e diagnóstico.
É
interessante que ele também antecipe a provável indisponibilidade de terapias
médicas necessárias.
Então como
um suplemento, o grosso do seu conteúdo é sobre ervas medicinais: com que se
parecem, como coletar e prepara-las, e que condições acredita-se que elas sejam
capazes de tratar.
Quando
o Manual de um Médico Descalço alcançou as culturas ocidentais, a
medicina alternativa Chinesa foi de uma vaga curiosidade a uma mania total da
cultura pop.
Mas o livro
possuía uma introdução um tanto problemática.
Ela não
fornecia uma visão do que estava acontecendo nos hospitais chineses, nem mesmo
do que médicos totalmente habilitados teriam praticado.
Em vez
disso, o Manual de um Médico Descalço mostrava a que os médicos
chineses mais mal equipados tinham que recorrer sob as piores circunstâncias.
Os
ocidentais obtiveram uma percepção distorcida da medicina chinesa a partir do
livro.
Enquanto é
verdade que o Manual de um Médico Descalço advoga em favor de
terapias alternativas, ele também recomenda o tratamento médico convencional
sempre que disponível.
Por exemplo,
o manual descreve o tratamento para encefalite japonesa.
Ele
recomenda o uso de acupuntura, tratamento de lama, uma compressa usando
extratos de sapo e chás de ervas.
Mas ele
também dá a lista de remédios convencionais que devem ser administrados por via
intravenosa.
Ao longo do
manual, quase toda doença listada inclui o tratamento médico convencional que
deve ser ministrado sempre que possível, e o tratamento tradicional a ser
ministrado caso contrário.
Entretanto,
nas edições ocidentais todas as menções de medicina convencional haviam sido
excluídas.
Cerca de
600 páginas de informação médica sólida foram cortadas do livro para o público
ocidental.
O que resta
é essencialmente uma lista de tratamentos tradicionais chineses, sem nada para
informar o leitor de que os médicos descalços contavam com qualquer outra
coisa.
A edição fora
cuidadosamente editada para dar uma impressão distorcida e falsa do que a
medicina chinesa é.
Os editores
mudaram-no de um manual paramédico responsável para uma propaganda de medicina
alternativa sob o disfarce de “sabedoria chinesa antiga “.
Então,
quando vemos a história como um todo, descobrimos que a medicina alternativa
não representa o que médicos chineses bem informados teriam receitado, pelo
menos não desde a aurora da medicina baseada em ciência.
Então o
argumento de que a medicina alternativa é válida porque os chineses a usam, é
falso.
E também
descobrimos que a alegação cética de que Mao promovia medicina alternativa pelo
plano dos médicos descalços porque era barata também não é exatamente
verdadeira.
O plano era
uma tentativa honesta de fornecer os melhores cuidados médicos disponíveis.
Só recorria a terapias alternativas quando nada mais estava a mão…
Infelizmente, esse era o caso… com freqüência demais.
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