quinta-feira, 15 de novembro de 2018

A lenda da medicina alternativa chinesa como soluçao para a medicina na China de Mao Tse Tung




No mundo ocidental se espalhou a fama da medicina alternativa chinesa como a panaceia para todos os males.
Defensores dessa medicina alternativa alegam que essa sabedoria antiga foi e é de uso comum por toda a China.
E que o mundo ocidental está se conscientizando de seu valor.
Céticos dessa posição apontam que a medicina alternativa era utilizada apenas em áreas rurais chinesas onde os tratamentos convencionais não estavam disponíveis, e tornou-se popular porque era barata, não porque era eficaz.
A história real traz uma perspectiva interessante a ambos pontos de vista.
Por volta do meio do século XX acontecia na China a Revolução Cultural de
Mao Tsé-Tung.
No início deste período, a maioria dos chineses era uma das populações mais isoladas do mundo.
Desconheciam a chegada das inovações modernas.
Viviam inconscientes do que se passava em se tratando de ciência e tecnologia.
Suas visões de mundo eram dominadas pelas tradições locais.
A medicina raramente era vista por qualquer uma dessas populações.
Quando alguém adoecia, tratamentos tradicionais baseados em séculos de crenças não-científicas eram o que conheciam e aplicavam.
Enquanto isso, na maioria dos centros industrializados de população do mundo, incluindo as grandes cidades da China, hospitais praticavam medicina de ponta.
Em 1949, a Academia Chinesa de Ciências era uma das principais instituições de pesquisa do mundo em ciências da vida e medicina.
Uma diferença que você veria entre hospitais chineses e hospitais de outros países era o uso da acupuntura, que era e ainda é relativamente bastante usada.
Entretanto, com uma reserva importante.
Na China, a acupuntura é usada apenas para alívio da dor, nunca como um tratamento.
E sempre em conjunção com analgésicos convencionais quando disponíveis.
É essencialmente um ornamento ao lado dos mesmos tratamentos básicos usados em outros hospitais modernos.
Essa aplicação da melhor ciência médica disponível ia muito bem para aqueles chineses que viviam nas cidades, mas não ia muito bem para aqueles a mil quilômetros, no campo, que mal sabiam até mesmo da existência das cidades.
Em 1946, a população urbana ainda era menos de 2% da população nacional, com a esmagadora maioria vivendo em áreas rurais remotas. Ainda assim, esses 2% que viviam nas cidades recebiam quase todo o orçamento de saúde pública da China, e todos eles se beneficiavam das inovações da medicina moderna.
O governo de Mao tentara desde 1949 recrutar e encorajar médicos a se mudarem das cidades para o campo, mas isso fora em grande parte um fracasso.
Qualquer serviço de saúde que havia, era principalmente provido por equipes de médicos viajantes que passavam algumas semanas nas províncias mais distantes, mas então retornavam a seus hospitais nas cidades, onde podiam obter uma renda decente.
Em 1958, Mao Tsé-Tung lançou um jornal do partido comunista na China chamado Bandeira Vermelha, que era o principal porta-voz por toda a China para os programas de reforma de Mao, explicando os planos e expondo a filosofia.
Um dos problemas nacionais que o Bandeira Vermelha abordava era a saúde pública.
O problema de saúde publica tornou-se mais pronunciado com a cada vez maior disseminação da esquistossomose, uma doença parasitária que causava infecção e danos a órgãos.
A esquistossomose tornou-se algo como um ícone da falta de saúde pública na China.
Mao bolou um plano.
Em 1968, o Bandeira Vermelha publicou o que viria a ser a solução chinesa. A experiência de Mao o havia ensinado que esforços para forçar serviços de saúde pública a saírem em direção ao campo estavam fadados ao fracasso, então fez o oposto.
Fazendeiros foram recrutados de toda a China, receberam treinamento gratuito, e foram mandados de volta a suas próprias vilas para servir como profissionais médicos.
Dentro de apenas alguns anos, cerca de 150 mil médicos e 350 mil paramédicos – meio milhão de trabalhadores para servir mais de meio bilhão de pacientes – trabalhavam por todo o país.
Eles passaram a ser conhecidos como os médicos descalços.
Era requerido que os candidatos tivessem ensino médio completo.
A maior parte recebia de três a seis meses de treinamento no hospital mais próximo.
Os médicos descalços não trabalhavam mais do que meio período como médicos.
Ainda lhes era cobrado que continuassem seus trabalhos na agricultura para prevenir que a produtividade sofresse queda.
Muitos médicos descalços prosseguiram e frequentaram faculdades de medicina e tornaram-se médicos licenciados.
De fato, o Professor Chen Zhu, Ministro da Saúde da China e Vice Presidente da Academia Chinesa de Ciências, de fato iniciou sua carreira como um médico descalço na zona rural da província de Jiangxi antes de decidir cursar a faculdade de medicina.
Em 1970, a China se gabava de um grande exército de meio milhão de paramédicos.
Eram treinados e tinham estações por todo o campo onde se faziam mais necessários.
Mas havia ainda um problema, um problema muito grande.
Quase não havia recursos para equipar os médicos descalços com instrumentos médicos, suprimentos ou remédios.
Havia tratamento disponível para a esquistossomose, mas não havia dinheiro para que os médicos descalços fornecessem-no.
Então empregaram o único recurso que a China sempre tivera em abundância: Mão-de-obra.
Por toda a China, médicos descalços orientaram trabalhadores a limpar lagos e córregos, e erradicar a população de caramujos que alojavam os vermes causadores da doença.
Foram bastante bem sucedidos.
Em quinze anos, essa técnica simples diminuiu a incidência de esquistossomose de dez milhões por ano para pouco mais de dois milhões, e em algumas áreas estava praticamente eliminada.
Outra parte significativa de seu treinamento era de primeiros socorros, para lidar com ferimentos e outras emergências médicas.
Cuidados pré e pós-natal também eram ensinados, assim como higiene básica como lavar as mãos antes de comer.
Os médicos descalços eram ensinados a reconhecer os sintomas e condições que demandavam tratamento médico.
Eram treinados a encaminhar tais pacientes para o hospital mais próximo.
Mas o que fazer com doenças não tão sérias que não necessitavam hospitalização, mas apenas cuidados de bem-estar e condições de tratamento simples?
Médicos descalços estavam habilitados a receitar medicação, mas o problema era que a medicação dificilmente chegava e era frequentemente muito cara para os camponeses.
Mao sabia que ele não tinha fundos para estocar 150 mil farmácias por toda a China.
Então, ele forneceu uma alternativa.
O Comitê Revolucionário de Saúde da Província de Hunan publicou um livro didático, o Manual de um Médico Descalço, destinado a equipar o médico descalço não equipado com tudo que precisava.
O manual é surpreendentemente compreensível, dando instruções para como praticamente qualquer doença esperada pode e deve ser tratada.
Ele cobre anatomia básica, controle de natalidade, higiene e diagnóstico.
É interessante que ele também antecipe a provável indisponibilidade de terapias médicas necessárias.
Então como um suplemento, o grosso do seu conteúdo é sobre ervas medicinais: com que se parecem, como coletar e prepara-las, e que condições acredita-se que elas sejam capazes de tratar.
Quando o Manual de um Médico Descalço alcançou as culturas ocidentais, a medicina alternativa Chinesa foi de uma vaga curiosidade a uma mania total da cultura pop.
Mas o livro possuía uma introdução um tanto problemática.
Ela não fornecia uma visão do que estava acontecendo nos hospitais chineses, nem mesmo do que médicos totalmente habilitados teriam praticado.
Em vez disso, o Manual de um Médico Descalço mostrava a que os médicos chineses mais mal equipados tinham que recorrer sob as piores circunstâncias.
Os ocidentais obtiveram uma percepção distorcida da medicina chinesa a partir do livro.
Enquanto é verdade que o Manual de um Médico Descalço advoga em favor de terapias alternativas, ele também recomenda o tratamento médico convencional sempre que disponível.
Por exemplo, o manual descreve o tratamento para encefalite japonesa.
Ele recomenda o uso de acupuntura, tratamento de lama, uma compressa usando extratos de sapo e chás de ervas.
Mas ele também dá a lista de remédios convencionais que devem ser administrados por via intravenosa.
Ao longo do manual, quase toda doença listada inclui o tratamento médico convencional que deve ser ministrado sempre que possível, e o tratamento tradicional a ser ministrado caso contrário.
Entretanto, nas edições ocidentais todas as menções de medicina convencional haviam sido excluídas. 
Cerca de 600 páginas de informação médica sólida foram cortadas do livro para o público ocidental.
O que resta é essencialmente uma lista de tratamentos tradicionais chineses, sem nada para informar o leitor de que os médicos descalços contavam com qualquer outra coisa.
A edição fora cuidadosamente editada para dar uma impressão distorcida e falsa do que a medicina chinesa é.
Os editores mudaram-no de um manual paramédico responsável para uma propaganda de medicina alternativa sob o disfarce de “sabedoria chinesa antiga “.
Então, quando vemos a história como um todo, descobrimos que a medicina alternativa não representa o que médicos chineses bem informados teriam receitado, pelo menos não desde a aurora da medicina baseada em ciência.
Então o argumento de que a medicina alternativa é válida porque os chineses a usam, é falso.
E também descobrimos que a alegação cética de que Mao promovia medicina alternativa pelo plano dos médicos descalços porque era barata também não é exatamente verdadeira.
O plano era uma tentativa honesta de fornecer os melhores cuidados médicos disponíveis.
Só recorria a terapias alternativas quando nada mais estava a mão… 
Infelizmente, esse era o caso… com freqüência demais.

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