sexta-feira, 11 de julho de 2014

Uma experiencia bio desagradavel - capitulo XXVIII

Capitulo XXVIII – Momentos finais na UTI

Apareceu uma enfermeira para trocar o refil da alimentação.
A alimentação era um preparado líquido, nutricionalmente completo, com sabor de chocolate, importado da Suíça.
Recebia essa alimentação por sonda nasogastrica, que conduzia o liquido até meu estomago.
Ela pegou uma seringa e colocou água. Depois ela desconectou o tubo do refil e introduziu a agulha no tubo para fazer a limpeza, que ia para meu estomago. Toda vez que trocavam o refil eles faziam esse procedimento.
Quando ela apertou o embolo da seringa e a água foi ao meu estomago, eu senti um pouco o gosto da água na garganta.
- Põe mais um pouco de água – pedi.
- Por que?
- Para eu sentir na garganta.
- Mas, a água não sobe. Ela vai direto para o duodeno.
- Acho que não. Eu senti a água subir na garganta.
- Mas, a água não sobe.
- Sobe sim. Eu senti... Dá para você colocar mais um pouco de água... Por favor...Faz isso para mim, por favor.
Ela me atendeu e fiquei satisfeito.
A água, naquele momento, era uma maravilha.
- Pega um chocolate, ai. – disse para ela, apontando para o criado mudo, onde ficava a caixa com os chocolates.
- Obrigada. Vou pegar um só.
- Pode pegar mais. É para vocês.
- Vou pegar um só. Obrigada.
Mais tarde apareceu um enfermeiro junto com uma enfermeira para me darem banho.
Foi um dos melhores banhos que tomei. Ele fez a minha barba.
Estava tão relaxado que cochilei.
De repente, acordo.
Vejo ele raspando meus pelos pubianos na base de meu pênis com um aparelho de barbear descartável.
Ela estava do lado dele observando e conversando com ele.
Fiquei assustado.
Pensei: o que ele esta fazendo?
O enfermeiro percebeu que despertei e perguntou:
- Você não esta com medo, não?
Pensei: preciso demonstrar tranqüilidade.
- Não! Por que estaria?
- É que estou usando esse barbeador...
- Estou tranquilo. Você sabe fazer bem o que esta fazendo.
- Estou cortando os pelos porque vou colocar um uripen em você.
- Uripen? O que é isso?
- É um material que vai ajudar você a urinar durante a noite sem se molhar. Não vai precisar trocar a fralda durante a noite. Assim você dorme mais tranquilo.
- Legal. Como chama mesmo esse negócio?
- Uripen.
- Nunca ouvi falar.
- É uma camisinha adaptada, que tem na ponta um tubo que liga a camisinha no coletor de urina.
 Pensei: Que invenção! A mulher é obrigada a usar a “comadre”. Não é fácil. Ainda bem que nós homens temos o uripen. Precisam inventar um desses para as mulheres.
Em seguida, cuidadosamente, com a ajuda da enfermeira, ele colocou o uripen. Depois de introduzido ele colocou um esparadrapo apropriado, na base, para melhor fixar.
À noite apareceu o Dr. Paulo Renato para me visitar.
Ele disse que havia solicitado que me tirassem a sonda urinária, para eu voltar a urinar normalmente.  Ao ver que usava o uripen, ele me orientou a não ficar o tempo todo com ele. Argumentei que só usaria a noite, pois como urinava muito, acabava molhando a fralda e tendo que troca-la diversas vezes. Ele concordou que usasse à noite. E de dia que usasse o que eu chamava de “compadre”.    
            Diariamente, toda noite, havia uma rotina para perturbar a tranquilidade do sono.
Começava por volta das onze da noite com a limpeza do piso da UTI.
A limpeza era feita por um casal de faxineiros, que chegava com um carrinho apropriado para limpeza e com uma máquina, uma espécie de enceradeira grande, com a base rotativa.
O carrinho de limpeza era equipado por vários compartimentos adequados a cada uma das peças que carregava. Havia um esfregão com cabo de plástico e na extremidade tinha um chumaço com tiras de um material apropriado para absorver liquido, da cor amarela. Havia um rodo comum de plástico. Havia um balde de seção retangular, de um plástico resistente, contendo água misturada com um produto químico. O balde ficava localizado embaixo de uma máquina montada no carrinho, que tinha um mecanismo que drenava a água das tiras da vassoura, através da torção das mesmas.
Um dos faxineiros jogava o liquido no chão, usando um balde. Depois espalhava esse liquido com o rodo.
O cheiro desse liquido era repugnante para mim.
Enquanto isso, o outro faxineiro passava a enceradeira, que, apesar de não ser muito barulhenta, em razão do silencio noturno, causava uma sensação de barulho desagradável.
 Depois, o primeiro, com o esfregão de tiras amarelas, recolhia a água. Quando as tiras estavam encharcadas, ele coloca as tiras na máquina, as apertava com um mecanismo próprio, a água caia no balde e era novamente reaproveitada em ouro local.
 Terminada a limpeza, por volta da meia noite, uma da manhã, era a vez dos radiologistas.
Apareciam dois radiologistas, com um aparelho móvel para realizarem o raio X dos pulmões. Eles visitavam quase todos os pacientes da UTI. Eu era um dos pacientes que se submetia a esse procedimento diariamente.
Eles acordavam o paciente, sentavam-no e colocavam uma chapa dura nas costas. Posicionavam essa engenhoca sobre rodas e realizavam a operação.
Concluída essa etapa, por volta das três horas da madrugada, era a vez da coleta de sangue. Apareciam as enfermeiras, munidas de suas maletas apropriadas para guardar os tubos com os materiais coletados.
De mim coletavam sangue de uma veia arterial no meu pulso. Era uma dor insuportável.
Após essa atribulada noitada, era possível dormir até às sete da manhã, quando ocorria a troca de turno dos auxiliares de enfermagem.
O líder deles distribuía a equipe por lotes de pacientes. Começavam suas atividades com a higienização de cada paciente e depois ofereciam a alimentação para os que estivessem liberados para fazer refeição.
Nessa higienização eu escovava os dentes e era feito um asseio geral.
Em geral quem me atendia era uma enfermeira chamada Michele.
Ela e seus colegas me deixavam um pouco irritado e impaciente.
Ao invés de iniciarem logo serviço, eles solicitavam café com pão na chapa. Ficavam conversando e degustando por um longo tempo.
Aquilo me aborrecia, porque não aceitava que eles se alimentassem no horário de trabalho. Que o fizessem antes. Também, porque aquela demora parecia uma eternidade e eu queria começar logo minha higienização.
Não reclamava nada, pois acreditava que primeiro nada iria resolver. Depois, não queria ficar com fama de chato e eles acabassem me maltratando. Mas que aquilo me deixava irritado, me deixava.
Como estava usando uripen, solicitei para Michelle tirar o aparelho. Ela respondeu que não podia, explicando que poderia machucar meu pênis com esse procedimento de tirar e recolocar toda hora.
- Por favor, tire o uripen. – pedi novamente.
- Já disse que não pode.
- Por favor, tira.
- Você tem certeza que quer tirar?
- Claro que sim.
- Depois que tirar não pode colocar de novo.
- Eu sei. Não vou colocar agora. Só vou colocar de noite.
- Quem mandou tirar?
Lembrei da recomendação do Dr. Paulo Renato e disse:
- Foi o meu médico que mandou tirar. Se você não tirar ele não vai gostar.
- Ele mandou mesmo?
- Pergunta para ele. Foi ele quem mandou. Eu só estou repassando o recado que ele mandou.
- Então está bem. Vou tirar.
Pensei: Que despreparada. Afinal ela não sabe que tem que tirar o uripen?  Ela não sabe disso? É preguiça dela, ou o que é?... O que tem de gente despreparada aqui. Impressionante. Tive que ser insistente para ela obedecer. Que despreparada... Bem, por outro lado...estava esquecendo. Ela é lésbica...É isso! Vai ver que não gosta de pegar em pau.
Relaxei e ri de mim mesmo pela conclusão final.
A Dra. Kátia chegava por volta das oito horas, lia os prontuários e os resultados dos exames de cada paciente. Depois elaborava uma espécie de receituário contendo o kit remédio, que ficava em uma pasta de plástico individualizada por paciente.
 Os enfermeiros, na medida da conclusão de suas tarefas preliminares, iam até a mesa da Dra. Kátia e recolhiam os receituários e preparavam a aplicação dos remédios de cada paciente.
  Naquela tarde de quinta feira a Dra. Kátia disse que havia grandes possibilidades de eu sair da UTI após o final de semana. Tudo dependeria do resultado do exame de deglutição que faria no final da tarde e do meu desempenho na alimentação. Fiquei ansioso para que a fonoaudióloga viesse o mais rápido para fazer os testes.
Mas, a Dra. Kátia foi embora e a médica não apareceu. Perguntei por ela para vários enfermeiros. Uns diziam que ela estava atendendo pacientes no hospital e que tão logo pudesse ela viria me ver. Outros nem sabiam da existência ou programação de visita dela.
Já era quase dez horas da noite. Eu continuava ansioso pela vinda dela. Dormia e acordava na esperança que ela chegasse.
Pensei: Ela não vem mais. Vou dormir.
Fechei os olhos.
- Senhor José. – disse a médica. – O senhor está acordado?
Prontamente abri os olhos e disse:
- Sim. Puxa, que bom vê-la. Pensei que a senhora não viesse mais hoje.
- Eu realmente estava muito ocupada, mas eu disse que viria e vim. Podemos começar o teste?
- Claro.
- O senhor vai beber devagarinho esse copo d’água. Gole por gole. Não pode ser no gute gute. Beba um pouquinho. Engole. Espera um pouco. Bebe de novo um pouquinho e engole. Eu vou ajudando. Entendeu?
- Que maravilha. Vou beber água. Estou pronto.
- Devagar. O senhor não pode engasgar. Senão a água vai para o pulmão e ai complica tudo de novo. Com muita calma.
- Pode deixar.
Engoli uma, duas, bebi o copo todo exatamente como ela recomendara.
- E então? Tudo bem? – perguntou a médica.
- Sim. Tudo bem. Como é gostoso beber água.
Ela examinou minha garganta com o cateter e disse:
- Está tudo certo. Agora o senhor vai beber esse copo todo no gute gute. Se engasgar o senhor para.
- Pode deixar. Estou louco para beber mais água.
Virei o copo e bebi tudo no gute gute.
- E então? Tudo bem?
- Sim. Estou ótimo. E feliz por beber água.
- Agora, senhor José eu vou dar esta sopa para o senhor. Foi a única que encontrei. Nem sei o sabor.
- Não tem problema. Com a fome que eu estou, tomo qualquer coisa. Quero comer. Estou faminto. Esse sorinho que está na veia não me alimenta.
- O senhor está se alimentado, sim, senhor José. Não é só sorinho, não. O senhor recebe uma alimentação com todos os nutrientes no estomago pelo tubinho que está em seu nariz.
- Eu sei. Mas, quero substancia.
- Então, vamos começar?
- Vamos, mas eu não tenho força para segurar a colher.
- Não se preocupe. Eu sirvo o senhor com a colher. Vou colocar em sua boca e o senhor sorve, devagar. Curta a sopa. Sem pressa.
- Está certo.
- Depois, eu vou mandar o senhor engolir um pouco mais rápido. Depois devagar novamente. Quero observar sua deglutição. OK?
- OK.
Ela começou gentilmente a me servir a sopa. Estava inebriado. Bebera água, agora a sopa.  
Pensei: Agora estou na reta de saída.
- Senhor José eu estou dando alta para o senhor quanto a poder se alimentar. O senhor fez tudo certinho. Vai poder comer apenas comida pastosa e um pouco de liquido. Nada de sólido, por enquanto. Aos poucos o senhor volta a comer sólido.
- Posso beber água?
- Pode. Mas, com calma. A água é muito liquida. Beba devagar.    
- Que bom!
- Eu vou acompanhando o senhor. Volto ainda no final de semana para ver como o senhor está.
- Muito obrigado, doutora. Muito obrigado mesmo.
- Agora descanse. Até mais.
- Até. Tchau.
Ela foi embora. Passado uns minutos chamei uma enfermeira.
- Por favor, quero água.
- O senhor não pode.
- Posso sim. A médica liberou.
- Que médica?
- A fono. Ela saiu daqui há pouco. Ela me deu água e sopa. Pode ver ai. Está escrito.
– O senhor tem certeza?
- Claro... Você acha que eu estou mentindo?
- Não. Não é isso. Deixa eu ver...
E ela foi ver meu prontuário.
- Está certo. O senhor pode beber um pouquinho.  Vou pegar um copo. Só um, está  bom?  
Ela foi até o balcão da enfermaria e trouxe meio copo d’água.
Bebi aquela água como se fosse a coisa mais maravilhosa do mundo.
- Mais um... Por favor.
- Senhor José... Agora chega. O senhor não pode abusar. Mais tarde o senhor toma de novo.
Dormi.

                                      continua no próximo capitulo

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Eu, Eu mesmo e Irene

Eu, Eu mesmo e Irene
Não! A Irene não integra esta reunião.
Só foi citada para parodiar o titulo do filme homônimo.
Nesta versão, Eu sou entrevistado por Eu mesmo.
Eu mesmo pergunta:
Quando você resolveu escrever o livro Uma experiência Bio Desagradável o que tinha em mente?
Eu respondo:
Esse texto foi escrito no segundo semestre de 2009, logo após minha saída do Hospital onde fiquei internado por 45 dias na UTI e mais 15 dias no hospital. Quando comecei a escrever, minha intenção era relatar os momentos de terror que lá vivenciei. Eles estavam muito vivos em minha memória. Daí o titulo. Ao longo da transcrição resolvi acrescentar como cheguei à UTI.
Eu mesmo pergunta:
Por que publicar esse texto em seu blog?
Eu respondo:
O texto estava lá, adormecido. Quando resolvi escrever um blog, achei interessante publicar esse texto para informar às pessoas que estejam ou que tenham algum familiar ou amigo, em situação semelhante tanto com relação ao câncer como aqueles que são internados em UTIs.
Eu mesmo pergunta:
Qual a razão de publicar em capítulos diários?
Eu respondo:
Como o texto total tem mais de 100 paginas, pensei que se publicasse de uma vez, ninguém o leria até o fim. Tenho observado que as pessoas gostam de ler textos curtos. De outro lado, as pessoas são atraídas por novelas. Assim, conclui que fazer um texto novela poderia ter mais leitores. Editei o livro em 30 capítulos e diariamente publico um.
Eu mesmo pergunta:
Qual é seu publico?
Eu respondo:
Através da estatística do blog, que quantifica as visualizações por pais, observei que tenho uma quantidade de leitores maior nos Estados Unidos do que no Brasil. E que tenho leitores na Rússia, na Alemanha, na Ucrânia, na Argentina, na Austrália, no Reino Unido, Itália e Canadá. Devem ser brasileiros que lá de fora querem um contato com o Brasil.
Eu mesmo pergunta:
Quando você concluir esta publicação pretende lançar outro texto novela?
Eu respondo:
Estou pensando nisso. Tenho um projeto de escrever sobre uma pesquisa que fiz sobre a minha família que resultou na descoberta de que sou descendente de Dom Afonso I, o primeiro rei de Portugal na idade média. Mas, ainda esta na fase inicial.

Uma experiencia bio desagradavel - capitulo XXVII

Capitulo XXVII – Sede por água.

Após Tiago ir embora, passou uma enfermeira que estava sempre por perto e, algumas vezes, fazia minha higiene.
Disse para ela todo alegre e eufórico:
- Oiiii.... Ouça. Essa é a minha voz.
Ela sorriu e disse:
- Que bom, né? O senhor já pode falar.
- Posso... Escuta....A voz está um pouco diferente. Parece metálica. Mas é a minha voz.
- Então... O senhor está melhorando. Logo, logo o senhor vai sair da UTI... Que bom, né?
- Não vejo a hora. 
Ela sorriu e foi embora.
Cada vez que passava alguém perto da minha cama eu dizia:
- Oiiii.... Oiiii. Estou falando. Oi gente. Estou falando.
- Calma, senhor José, calma. – disse a Dra. Kátia, que estava sentada em seu lugar. – O senhor vai poder falar bastante com sua família já, já.
Ela olhou para seu relógio de pulso e disse:
- A hora da visitação está para começar. O senhor não pode abusar. O senhor vai usar a válvula para falar com sua família e depois a gente vai tirar. Está certo?
- Eu quero falar. - disse
- Então, senhor José, o senhor não pode ficar o tempo todo com o aparelho. A gente vai tirar quando a sua família for embora. Só vamos colocar de novo na visitação da noite. Aos poucos o senhor vai ficando mais tempo, até tirar tudo. É assim que tem que ser.
- Está bem. – concordei.
Começou a entrada de pessoas.
Vi a minha mulher e meu filho Rodrigo, vindo com um grande sorriso.
- Que bom, Gê, você está com o aparelho. – disse Cris.
- Estou. Agora posso falar.
- Foi o doutor Paulo que agitou para você. Ele tem sido muito atencioso com você.
- Eu sei.
- Você está bem melhor, Gê. Ai, como eu estou contente.
- Cris, olha os meus dedos...estão inchados. Não consigo nem dobrar.
- Isso melhora. Tem que ter paciência, Gê. Você está numa fase de recuperação. –disse Cris.
- Estou muito inchado. Olha a minha perna. O joelho não dá para ver. O osso do calcanhar não dá para ver. A minha perna parece uma coluna grossa, que vai até o pé.
- Pai, fica tranqüilo. Isso passa.
- Eu sei, filho.... Mas, incomoda.
- Pai, desculpa, mas você está parecendo um Buda. – disse Rodrigo rindo.
- Eu sei...
E ficamos conversando até chegou a fim do horário de visita e eles foram embora.
No final de tarde, minha mulher voltou a me visitar, como fazia todos os dias.
Logo que ela se acomodou a meu lado disse:
- Cris, estou com sede.
- Gê, você não pode beber água. O médico falou que você pode engasgar. É perigoso.
- Bocejar pode.
- Eu vou perguntar se pode.
- Não! Não pergunta. Se perguntar eles vão dizer que não pode. Eu sei como é.  Eu já bocejei antes. É assim.... Pega dois copos. Um com água e outro vazio. Eu bebo de um, bocejo e jogo fora no outro. É assim que eu tenho feito.
- Está bem. Espera um pouco. Vou lá pegar os copos.
A minha mulher foi até o balcão dos enfermeiros, pegou os copos e a água.
Fiz o bocejo. Como era prazeroso sentir a água na boca.
- Cris, você viu o templo budista? – perguntei.
- Não, Gê! Não há nenhum templo na budista aqui na UTI.
- Tem sim! Eu vi quando entrei aqui.
- Onde fica? – disse minha mulher sorrindo.
- Ali, do lado direito. Vai seguindo pelo corredor que você encontra. - disse, mostrando o caminho com o braço. – É grande. Tem uma cachoeira. Vai lá ver. É um pouco frio lá.
Ela disse que não havia nenhuma cachoeira no corredor e que só havia mais camas com pacientes.
Eu insisti:
- Tem sim. Vai lá ver. Eu vi.
Ela aquiesceu e disse que quando saísse passaria por lá.    
- Veja, Cris. Ali do outro lado do corredor. Está vendo?
Minha mulher virou-se para trás para ver o que eu mostrava e disse:
- Sim. O que tem?
- Lá... Eles servem comida chinesa.
- Não, Gê, lá faz parte da UTI.
- Eu sei. Lá é a ala tailandesa, chinesa, sei lá. Foi lá que eu fiquei no berço. Lembra?
- Hã?...
- No berço.. você não lembra?
- Hã-hã! Sei... Sei. – disse minha mulher com desconfiança.
- Você lembra ou não lembra do hospital tailandês, onde eu fiquei?
- Lembro.
- Olha lá. Na outra UTI.
- Sim. O que tem? – disse minha mulher, virando-se novamente para trás para ver o que mostrava.
- Está vendo, aquele velhinho no outro lado?
- Sim... estou vendo um paciente. Que tem ele?
- Ele é chinês.
- Não, Gê. Ele é um paciente normal. – disse ela sorrindo.
- É chinês. Olha a barba comprida e branca dele.
- Hã?...
- Olha lá direito.
- Estou vendo... É verdade. Você tem razão. – concordou minha mulher. – O que mais você esta vendo lá?
- Todos os dias, na hora do almoço, vêem uns enfermeiros chineses. Eles trazem uma mesinha de madeira, colocam na cama sobre as pernas dele.
- Que legal!
- Na mesinha tem vários pratos com comidas chinesas. Parece tão gostosa...
- Deve ser.
- Ele come pouco. Depois que ele termina de comer, eles vem com uma chaleira e despejam o chá em uma xícara de porcelana chinesa. Vem junto um pratinho com bolinhos chineses.
- Que bom.
- Ele fica dormindo sentado o dia todo.
- E você fica vendo tudo isso? 
- Fico. Quando puder comer, quero comer lá.
- Está bem, Gê. Quando você puder, você vai comer comida chinesa e o que mais quiser.
- Quero comer mamão papaia. Sinto falta das frutas.
Diariamente, antes da cirurgia, eu comia caju, mamão papaia e manga, no meu café da manhã.
- Depois que você sair daqui, você vai poder comer tudo que você quiser. A doutora Kátia disse que você já está bem melhor. Logo, logo, você vai para o apartamento.
- Quero ficar no oitavo andar.
Na minha primeira cirurgia eu fiquei no oitavo andar do hospital. O corpo de enfermeiros que me atendeu foi muito atencioso comigo. Eu queria voltar a ficar lá, pois sabia que lá seria muito vem recebido.  
- Eu vou pedir. Fique tranquilo. Você gostou de ficar lá da outra vez, não é?
- Sim. Dá um jeito para eu ficar no oitavo.
- Eu vou ver isso.
- Quero bocejar com água.
- De novo, Gê?
- Estou com muita sede. Pega lá, Cris, por favor.
- Vou pegar. Mas, você não pode engolir...
- Eu sei. Só vou bochechar.
Minha mulher foi até a bancada da enfermaria e voltou sem a água.
- Gê, a enfermeira disse que você não pode beber água. São ordens da doutora Kátia. – disse ela aborrecida. – Como é que pode? Eu não gosto dessa enfermeira.
- Cris, ela não entende nada. Vai lá e pega. Não pergunta. Diz que é para você.
- Gê...
- Não discute. Pega. Estou morrendo de sede.
- Gê...
- Cris, por favor. Vai lá e pega. Só um pouquinho. Vai. Fala que é para você.
- Deixa ela ir embora que eu pego.
Fiquei olhando em direção à enfermeira que minha mulher disse que negara a minha água.
- Vai... Agora. Ela saiu. Traz uma garrafa.
- Será que pode?
- Cris, não pergunta se pode. Pega. Se não puder alguém fala. Ai você já pegou. Pega.... A gelada!
Minha mulher, finalmente, pegou os copos e a garrafa com água.  
Quando eu comecei a bocejar apareceu a Dra. Kátia na UTI.
Ao ver que estava com um copo d’água na mão, veio, imediatamente, falar comigo.
- Senhor José, o senhor sabe que não pode beber água.
- É só um pouquinho. Para molhar a boca, doutora. Está muito seca. – disse.
- Está bem. Mas, depois chega. Eu sei que o senhor está querendo molhar a boca toda hora...Eu estou sabendo. Mas, não pode. – disse a Dra. Kátia com um sorriso.
- Pega um chocolate, doutora. – disse minha mulher para descontrair a situação.
- Será que eu pego? Isso engorda... - disse a Dra. Kátia indecisa.
- Pega.
- Vou pegar. Adoro chocolate. Mas, só um. Obrigada.
- Eu trouxe para vocês comerem. – disse minha mulher empolgada. – Chocolate é energia. Vocês precisam de muita energia para aguentar esses pacientes todos aqui.... Não deve ser fácil trabalhar na UTI.
- Não é mesmo. Mas, até que o senhor José não dá trabalho. – disse a Dra. Kátia.
- Eu sei. – disse minha mulher rindo. - Ele é muito manhoso. Sempre foi.
Sorvi um pouco da água e fiquei com ela um bom tempo na boca, antes de despejar no outro copo, enquanto elas conversavam.
Pensei: Que delicia. Nunca pensei que água era tão bom.
- Doutora Kátia, a senhora não é daqui de São Paulo, é? – perguntei.
- Não, meu filho, não sou daqui.
- É que a senhora tem um sotaque diferente.
. Sou paraense. De Belém do Pará. Você conhece?
- Claro que sim. Minha mãe é de lá. Nasceu na ilha do Marajó.
- Gente boa.
- É mesmo. Meu avô tinha uma fazenda na ilha. Criava búfalo.
- Aquilo é uma coisa linda. Única no mundo.
- É mesmo. E as comidas, então?
- Adoro pato no tucupi.
- Estou louco para tomar um açaí.
- Você gosta de açaí?
- Adoro.
- Mas, é muito forte. O teu fígado tem que recuperar primeiro. Tem muito ferro e é metabolizado no fígado.
- Não tem problema. Eu espero o tempo que for necessário.
- Eu gosto daquele docinho feito com castanha do Pará, coberto com ameixa preta. Como é que chama mesmo?
- Minha mãe chamava de olho de sogra.
- É esse mesmo. Não encontro aqui em São Paulo.
- Eu também gosto, mas faz tempo que eu não como. Minha mãe fazia todo natal.
A partir daquele momento, a Dra. Kátia ficou minha amigona. Havia uma ligação regional que nos unia.  Era minha conterrânea!
Como encerrou a visitação, minha mulher foi-se embora.  

                                      continua no próximo capitulo

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Uma experiencia bio desagradavel - capitulo XXVI

Capitulo XXVI – A segunda saída da UTI

Novo dia.
Acordei um pouco atordoado.
Quando me dei conta, estava andando em uma ampla área, que ficava em um plano mais alto que a rua.
Tinha retornado à cidade universitária da USP.
Nesse local havia um pavilhão japonês, próximo a um grande lago, margeado por vegetação característica do Japão. Havia uma ponte em forma de arco com portais vermelhos.
Pensei: Puxa vida! Nunca tinha visto esse pavilhão aqui na cidade universitária. Deve ser novo. Deve ter sido construído graças a uma doação do governo japonês.
Continuei caminhando e vi que havia um pequeno hospital, na parte de baixo.
Pensei: Vou entrar nesse hospital. Deve ser bom. É japonês. Estou precisando me recuperar. Vai ser aqui que vou ficar.
Entrei.  
Perguntei para a recepcionista se poderia ficar no hospital.
Ela disse que sim, pois o atendimento era gratuito.
Vi em uma parede o nome Medial, que é o meu plano de saúde.
Perguntei se havia convenio com a Medial.
Ela confirmou que sim e disse que era a Medial quem gerenciava o hospital.
Resolvi usar o convenio, pois não achei justo receber o atendimento gratuito, tendo um convenio medico.
Apresentei minha carteirinha e ela preencheu minha internação.
Fui conduzido para a UTI.
No caminho, um pouco antes da entrada da UTI, cheguei a um local que parecia um desfiladeiro. De um lado havia a parede e de outro um amplo vale profundo. Junto à parede, em um nível bem alto, havia uma ponte estreita, com pisos em madeira, com corrimão em cordas grossas.
Caminhei devagar pela ponte. No meio do percurso parei para observar o que acontecia lá embaixo.
Havia uma cerimônia onde estavam reunidos alguns monges budistas.
Eles tinham o cabelo cortado bem rente á cabeça. Trajavam roupa típica. Estavam enrolados em mantas de seda, da cor alaranjada e usavam sandálias de couro.
Havia, junto a eles, algumas pessoas de origem oriental, alguns homens vestidos com terno e gravata e mulheres com vestidos a rigor, com chapéu.
Estavam todos posicionados de frente a uma parede bem alta, que tinha no centro uma enorme cachoeira de pedra, de onde caia um grande volume de água iluminada por uma cor azulada. Essa água era armazenada em um tanque de pedras, iluminado por uma luz branca.
O ambiente era meio lusco fusco, com iluminação indireta, possibilitando ver, refletida nas paredes, luzes coloridas dos aparelhos que monitoravam os pacientes, que estavam na parte superior.
Eles recitavam mantras em uma oração budista, que não entendi.
O ambiente estava gelado. Senti um pouco de frio e me encolhi abraçando-me.
Pensei: Parece o Himalaia.
Fiquei receoso de presenciar a cerimônia, sem que estivesse autorizado.
Como ninguém reclamou continuei observando, quieto e curioso, por um bom tempo.
Quando terminou, finalmente, fui conduzido para o meu lugar na UTI.
Pensei: Aqui vou ser bem tratado. A cultura oriental preza pelo bom atendimento.
Ao chegar à minha cama, chamei uma enfermeira que passava próximo à minha cama. Como não podia falar, acenei com as mãos. Ela percebeu e veio até mim.
- Água – pedi para ela, movendo os lábios, mas sem voz.
- O que é que o senhor disse?
Resolvi fazer mímica. Fiz um movimento com a mão direita, imitando estar segurando um copo e depois virando-o na boca.
- O senhor quer água?
Respondi afirmativamente com a cabeça.
- Não, senhor José, o senhor não pode beber água. – disse a enfermeira.
- Sede – tentei falar, olhando para ela, para que pudesse ler meus lábios.
- Olha, vou pegar um copo de água para o senhor bochechar. Está bem?
Concordei com o dedão em riste.
Ela me trouxe dois copos. Um com a água e outro vazio.
- O senhor bebe um pouco, bochecha e depois devolve no copo vazio. Não pode engolir. Entendeu?
Confirmei com a cabeça.
- O senhor não pode engolir. Senão o senhor engasga. – insistiu a enfermeira. 
Agi como ela me recomendara.
Acabou a água do copo. Fiquei um pouco aliviado da sede.
Pouco tempo depois, senti novamente a boca seca. Passei minha língua no céu da boca e senti a textura da mucosa parecendo que estava trincada e grossa. A minha língua também parecia que estava trincada.
Pensei: Tanto tempo sem beber água, está tudo ressecado.
Continuava com sede. Tentei puxar saliva para a boca e engolir, mas havia pouca saliva. Minha boca estava muito ressecada.
Pensei: Sempre salivei bastante. Quando ia ao dentista ele até reclamava que eu salivava muito. Agora está seco. Preciso beber água.
Passou outra enfermeira e novamente fiz os acenos com as mãos para chamá-la. E esta também fez a mesma coisa, trouxe a água em dois copos e fez as mesmas recomendações.
Passou um tempo e novamente voltei a sentir sede.
Pensei: É isso ai. Descobri o caminho das pedras. Vou chamar a enfermeira e com isso re-hidrato minha boca.
Mas, dessa vez enfermeira que me atendeu disse:
 - Não, senhor José. O senhor está abusando. O senhor não pode beber água.
- Sede – falei sem voz, olhando para ela afim de que ela pudesse ler meus lábios.
Ela entendeu e disse:
- Senhor José, o senhor já bocejou bastante. Agora chega.
- Sede.
- Não. Já foi o suficiente. Mais tarde. Agora, não. Não pode.
 Fiquei aborrecido.
Pensei: Por que não posso beber água? Essa enfermeira é chata. Estou com sede. Ela fala isso porque não é ela quem está com sede. Chata!
Resolvi assistir televisão por um tempo e dormi.
Quando acordei, estava a meu lado um fisioterapeuta, muito forte, simpático, de nome Tiago, que me trouxe uma caixinha contendo uma válvula de cor roxa. Ele a colocou na minha garganta. Mal ele terminou de colocar a válvula, perguntou:
- Senhor José, vou fazer umas perguntas para ver como o senhor está, OK?
Respondi com um sinal de positivo com o dedo.
- O senhor me ouve bem?
- Sim. Normal. –respondi finalmente falando.
- O senhor está enxergando bem?
- Sim. Estou. Vejo tudo bem. – disse mexendo a cabeça para ambos os lados.
- O que o senhor está vendo? – perguntou ele, mostrando sua mão.
- A sua mão.
- O senhor sabe onde está? – perguntou Tiago.
- Sei.
- Onde?
Pensei: O que é que eu respondo agora? Sei que estou na cidade universitária da USP. Mas, sera que ele sabe disso? Minha mulher já me disse que estou no hospital em Moema. Acho melhor responder o que minha mulher disse. Sei la do porque ele esta fazendo todas essas perguntas. Vai que é para ver se estou bem de cabeça. Melhor eu dizer o que ele quer ouvir.
- estou no hospital Alvorada. Na UTI.
- O que o senhor está sentindo?
- Estou bem...Não sinto nada. Só estou cansado de ficar na cama.
- Sente alguma dor?
- Não... Dor?  Não. Quero ficar de pé.
- O senhor não pode ficar de pé. O senhor está muito fraco. O senhor não consegue ficar em pé. Se tentar o senhor cai.
Pense: Essa coisa de ficar muito tempo deitado é ruim. Posso pegar uma pneumonia e ate morrer. Preciso ficar em pé, sentado. Não posso continuar deitado.
Perguntei:
- Você poderia me arrumar uma poltrona? Eu vi uma por ai outro dia. Não aguento mais ficar deitado.
- Vou providenciar, sim. Boa idéia. O senhor ficaria sentado?
- Claro. É o que eu mais quero,
- Vou providenciar ainda hoje uma poltrona para o senhor ficar um pouco sentado. Faz bem mudar de posição.
- Obrigado.
- Que bom! O senhor está bem melhor. Agora é só recuperação e logo, logo, o senhor vai ter alta. 
- É o que eu mais quero.
- Bom, tenho que ir. Tenho outros pacientes para visitar. Até mais tarde.
- Tchau.
À tarde, colocaram uma poltrona ao lado da minha cama.
Tiago apareceu e me ajudou a levantar, segurando-me junto a seu corpo.
Pedi para ele me soltar para eu tentar ficar de pé.
Ele disse que eu não teria forças.
Mas, eu insisti e ele atendeu, afrouxando o abraço.
Naqueles poucos segundos que me senti solto pude constatar que não tinha forças para me sustentar. Minhas pernas não aguentavam o meu peso.
 Pensei: Como estou fraco. Não consigo ficar de pé.
Ele explicou que teria que fazer fisioterapia para voltar a andar, em razão de ter ficado muito tempo deitado, o que atrofiou meus músculos. Mas, que eu me recuperaria rapidamente.
Tiago foi quem em todos os dias seguintes, com exceção dos dias que estava de folga, até a minha saída da UTI, que pela manhã, me colocava sentado na poltrona,

                                      continua no próximo capitulo