quinta-feira, 10 de julho de 2014

Uma experiencia bio desagradavel - capitulo XXVII

Capitulo XXVII – Sede por água.

Após Tiago ir embora, passou uma enfermeira que estava sempre por perto e, algumas vezes, fazia minha higiene.
Disse para ela todo alegre e eufórico:
- Oiiii.... Ouça. Essa é a minha voz.
Ela sorriu e disse:
- Que bom, né? O senhor já pode falar.
- Posso... Escuta....A voz está um pouco diferente. Parece metálica. Mas é a minha voz.
- Então... O senhor está melhorando. Logo, logo o senhor vai sair da UTI... Que bom, né?
- Não vejo a hora. 
Ela sorriu e foi embora.
Cada vez que passava alguém perto da minha cama eu dizia:
- Oiiii.... Oiiii. Estou falando. Oi gente. Estou falando.
- Calma, senhor José, calma. – disse a Dra. Kátia, que estava sentada em seu lugar. – O senhor vai poder falar bastante com sua família já, já.
Ela olhou para seu relógio de pulso e disse:
- A hora da visitação está para começar. O senhor não pode abusar. O senhor vai usar a válvula para falar com sua família e depois a gente vai tirar. Está certo?
- Eu quero falar. - disse
- Então, senhor José, o senhor não pode ficar o tempo todo com o aparelho. A gente vai tirar quando a sua família for embora. Só vamos colocar de novo na visitação da noite. Aos poucos o senhor vai ficando mais tempo, até tirar tudo. É assim que tem que ser.
- Está bem. – concordei.
Começou a entrada de pessoas.
Vi a minha mulher e meu filho Rodrigo, vindo com um grande sorriso.
- Que bom, Gê, você está com o aparelho. – disse Cris.
- Estou. Agora posso falar.
- Foi o doutor Paulo que agitou para você. Ele tem sido muito atencioso com você.
- Eu sei.
- Você está bem melhor, Gê. Ai, como eu estou contente.
- Cris, olha os meus dedos...estão inchados. Não consigo nem dobrar.
- Isso melhora. Tem que ter paciência, Gê. Você está numa fase de recuperação. –disse Cris.
- Estou muito inchado. Olha a minha perna. O joelho não dá para ver. O osso do calcanhar não dá para ver. A minha perna parece uma coluna grossa, que vai até o pé.
- Pai, fica tranqüilo. Isso passa.
- Eu sei, filho.... Mas, incomoda.
- Pai, desculpa, mas você está parecendo um Buda. – disse Rodrigo rindo.
- Eu sei...
E ficamos conversando até chegou a fim do horário de visita e eles foram embora.
No final de tarde, minha mulher voltou a me visitar, como fazia todos os dias.
Logo que ela se acomodou a meu lado disse:
- Cris, estou com sede.
- Gê, você não pode beber água. O médico falou que você pode engasgar. É perigoso.
- Bocejar pode.
- Eu vou perguntar se pode.
- Não! Não pergunta. Se perguntar eles vão dizer que não pode. Eu sei como é.  Eu já bocejei antes. É assim.... Pega dois copos. Um com água e outro vazio. Eu bebo de um, bocejo e jogo fora no outro. É assim que eu tenho feito.
- Está bem. Espera um pouco. Vou lá pegar os copos.
A minha mulher foi até o balcão dos enfermeiros, pegou os copos e a água.
Fiz o bocejo. Como era prazeroso sentir a água na boca.
- Cris, você viu o templo budista? – perguntei.
- Não, Gê! Não há nenhum templo na budista aqui na UTI.
- Tem sim! Eu vi quando entrei aqui.
- Onde fica? – disse minha mulher sorrindo.
- Ali, do lado direito. Vai seguindo pelo corredor que você encontra. - disse, mostrando o caminho com o braço. – É grande. Tem uma cachoeira. Vai lá ver. É um pouco frio lá.
Ela disse que não havia nenhuma cachoeira no corredor e que só havia mais camas com pacientes.
Eu insisti:
- Tem sim. Vai lá ver. Eu vi.
Ela aquiesceu e disse que quando saísse passaria por lá.    
- Veja, Cris. Ali do outro lado do corredor. Está vendo?
Minha mulher virou-se para trás para ver o que eu mostrava e disse:
- Sim. O que tem?
- Lá... Eles servem comida chinesa.
- Não, Gê, lá faz parte da UTI.
- Eu sei. Lá é a ala tailandesa, chinesa, sei lá. Foi lá que eu fiquei no berço. Lembra?
- Hã?...
- No berço.. você não lembra?
- Hã-hã! Sei... Sei. – disse minha mulher com desconfiança.
- Você lembra ou não lembra do hospital tailandês, onde eu fiquei?
- Lembro.
- Olha lá. Na outra UTI.
- Sim. O que tem? – disse minha mulher, virando-se novamente para trás para ver o que mostrava.
- Está vendo, aquele velhinho no outro lado?
- Sim... estou vendo um paciente. Que tem ele?
- Ele é chinês.
- Não, Gê. Ele é um paciente normal. – disse ela sorrindo.
- É chinês. Olha a barba comprida e branca dele.
- Hã?...
- Olha lá direito.
- Estou vendo... É verdade. Você tem razão. – concordou minha mulher. – O que mais você esta vendo lá?
- Todos os dias, na hora do almoço, vêem uns enfermeiros chineses. Eles trazem uma mesinha de madeira, colocam na cama sobre as pernas dele.
- Que legal!
- Na mesinha tem vários pratos com comidas chinesas. Parece tão gostosa...
- Deve ser.
- Ele come pouco. Depois que ele termina de comer, eles vem com uma chaleira e despejam o chá em uma xícara de porcelana chinesa. Vem junto um pratinho com bolinhos chineses.
- Que bom.
- Ele fica dormindo sentado o dia todo.
- E você fica vendo tudo isso? 
- Fico. Quando puder comer, quero comer lá.
- Está bem, Gê. Quando você puder, você vai comer comida chinesa e o que mais quiser.
- Quero comer mamão papaia. Sinto falta das frutas.
Diariamente, antes da cirurgia, eu comia caju, mamão papaia e manga, no meu café da manhã.
- Depois que você sair daqui, você vai poder comer tudo que você quiser. A doutora Kátia disse que você já está bem melhor. Logo, logo, você vai para o apartamento.
- Quero ficar no oitavo andar.
Na minha primeira cirurgia eu fiquei no oitavo andar do hospital. O corpo de enfermeiros que me atendeu foi muito atencioso comigo. Eu queria voltar a ficar lá, pois sabia que lá seria muito vem recebido.  
- Eu vou pedir. Fique tranquilo. Você gostou de ficar lá da outra vez, não é?
- Sim. Dá um jeito para eu ficar no oitavo.
- Eu vou ver isso.
- Quero bocejar com água.
- De novo, Gê?
- Estou com muita sede. Pega lá, Cris, por favor.
- Vou pegar. Mas, você não pode engolir...
- Eu sei. Só vou bochechar.
Minha mulher foi até a bancada da enfermaria e voltou sem a água.
- Gê, a enfermeira disse que você não pode beber água. São ordens da doutora Kátia. – disse ela aborrecida. – Como é que pode? Eu não gosto dessa enfermeira.
- Cris, ela não entende nada. Vai lá e pega. Não pergunta. Diz que é para você.
- Gê...
- Não discute. Pega. Estou morrendo de sede.
- Gê...
- Cris, por favor. Vai lá e pega. Só um pouquinho. Vai. Fala que é para você.
- Deixa ela ir embora que eu pego.
Fiquei olhando em direção à enfermeira que minha mulher disse que negara a minha água.
- Vai... Agora. Ela saiu. Traz uma garrafa.
- Será que pode?
- Cris, não pergunta se pode. Pega. Se não puder alguém fala. Ai você já pegou. Pega.... A gelada!
Minha mulher, finalmente, pegou os copos e a garrafa com água.  
Quando eu comecei a bocejar apareceu a Dra. Kátia na UTI.
Ao ver que estava com um copo d’água na mão, veio, imediatamente, falar comigo.
- Senhor José, o senhor sabe que não pode beber água.
- É só um pouquinho. Para molhar a boca, doutora. Está muito seca. – disse.
- Está bem. Mas, depois chega. Eu sei que o senhor está querendo molhar a boca toda hora...Eu estou sabendo. Mas, não pode. – disse a Dra. Kátia com um sorriso.
- Pega um chocolate, doutora. – disse minha mulher para descontrair a situação.
- Será que eu pego? Isso engorda... - disse a Dra. Kátia indecisa.
- Pega.
- Vou pegar. Adoro chocolate. Mas, só um. Obrigada.
- Eu trouxe para vocês comerem. – disse minha mulher empolgada. – Chocolate é energia. Vocês precisam de muita energia para aguentar esses pacientes todos aqui.... Não deve ser fácil trabalhar na UTI.
- Não é mesmo. Mas, até que o senhor José não dá trabalho. – disse a Dra. Kátia.
- Eu sei. – disse minha mulher rindo. - Ele é muito manhoso. Sempre foi.
Sorvi um pouco da água e fiquei com ela um bom tempo na boca, antes de despejar no outro copo, enquanto elas conversavam.
Pensei: Que delicia. Nunca pensei que água era tão bom.
- Doutora Kátia, a senhora não é daqui de São Paulo, é? – perguntei.
- Não, meu filho, não sou daqui.
- É que a senhora tem um sotaque diferente.
. Sou paraense. De Belém do Pará. Você conhece?
- Claro que sim. Minha mãe é de lá. Nasceu na ilha do Marajó.
- Gente boa.
- É mesmo. Meu avô tinha uma fazenda na ilha. Criava búfalo.
- Aquilo é uma coisa linda. Única no mundo.
- É mesmo. E as comidas, então?
- Adoro pato no tucupi.
- Estou louco para tomar um açaí.
- Você gosta de açaí?
- Adoro.
- Mas, é muito forte. O teu fígado tem que recuperar primeiro. Tem muito ferro e é metabolizado no fígado.
- Não tem problema. Eu espero o tempo que for necessário.
- Eu gosto daquele docinho feito com castanha do Pará, coberto com ameixa preta. Como é que chama mesmo?
- Minha mãe chamava de olho de sogra.
- É esse mesmo. Não encontro aqui em São Paulo.
- Eu também gosto, mas faz tempo que eu não como. Minha mãe fazia todo natal.
A partir daquele momento, a Dra. Kátia ficou minha amigona. Havia uma ligação regional que nos unia.  Era minha conterrânea!
Como encerrou a visitação, minha mulher foi-se embora.  

                                      continua no próximo capitulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é bem vindo!
Agradeço sua participação.