Capitulo XXVII – Sede por água.
Após Tiago ir embora, passou uma
enfermeira que estava sempre por perto e, algumas vezes, fazia minha higiene.
Disse para ela todo alegre e
eufórico:
- Oiiii.... Ouça. Essa é a minha
voz.
Ela sorriu e disse:
- Que bom, né? O senhor já pode
falar.
- Posso... Escuta....A voz está
um pouco diferente. Parece metálica. Mas é a minha voz.
- Então... O senhor está
melhorando. Logo, logo o senhor vai sair da UTI... Que bom, né?
- Não vejo a hora.
Ela sorriu e foi embora.
Cada vez que passava alguém
perto da minha cama eu dizia:
- Oiiii.... Oiiii. Estou
falando. Oi gente. Estou falando.
- Calma, senhor José, calma. –
disse a Dra. Kátia, que estava sentada em seu lugar. – O senhor vai poder falar
bastante com sua família já, já.
Ela olhou para seu relógio de
pulso e disse:
- A hora da visitação está para
começar. O senhor não pode abusar. O senhor vai usar a válvula para falar com
sua família e depois a gente vai tirar. Está certo?
- Eu quero falar. - disse
- Então, senhor José, o senhor não
pode ficar o tempo todo com o aparelho. A gente vai tirar quando a sua família
for embora. Só vamos colocar de novo na visitação da noite. Aos poucos o senhor
vai ficando mais tempo, até tirar tudo. É assim que tem que ser.
- Está bem. – concordei.
Começou a entrada de pessoas.
Vi a minha mulher e meu filho Ro drigo, vindo com um grande sorriso.
- Que bom, Gê, você está com o
aparelho. – disse Cris.
- Estou. Agora posso falar.
- Foi o doutor Paulo que agitou
para você. Ele tem sido muito atencioso com você.
- Eu sei.
- Você está bem melhor, Gê. Ai,
como eu estou contente.
- Cris, olha os meus dedos...estão
inchados. Não consigo nem dobrar.
- Isso melhora. Tem que ter
paciência, Gê. Você está numa fase de recuperação. –disse Cris.
- Estou muito inchado. Olha a
minha perna. O joelho não dá para ver. O osso do calcanhar não dá para ver. A
minha perna parece uma coluna grossa, que vai até o pé.
- Pai, fica tranqüilo. Isso
passa.
- Eu sei, filho.... Mas,
incomoda.
- Pai, desculpa, mas você está
parecendo um Buda. – disse Ro drigo
rindo.
- Eu sei...
E ficamos conversando até chegou
a fim do horário de visita e eles foram embora.
No final de tarde, minha mulher
voltou a me visitar, como fazia todos os dias.
Logo que ela se acomodou a meu
lado disse:
- Cris, estou com sede.
- Gê, você não pode beber água.
O médico falou que você pode engasgar. É perigoso.
- Bocejar pode.
- Eu vou perguntar se pode.
- Não! Não pergunta. Se
perguntar eles vão dizer que não pode. Eu sei como é. Eu já bocejei antes. É assim.... Pega dois
copos. Um com água e outro vazio. Eu bebo de um, bocejo e jogo fora no outro. É
assim que eu tenho feito.
- Está bem. Espera um pouco. Vou
lá pegar os copos.
A minha mulher foi até o balcão
dos enfermeiros, pegou os copos e a água.
Fiz o bocejo. Como era prazeroso
sentir a água na boca.
- Cris, você viu o templo
budista? – perguntei.
- Não, Gê! Não há nenhum templo
na budista aqui na UTI.
- Tem sim! Eu vi quando entrei
aqui.
- Onde fica? – disse minha
mulher sorrindo.
- Ali, do lado direito. Vai seguindo
pelo corredor que você encontra. - disse, mostrando o caminho com o braço. – É
grande. Tem uma cachoeira. Vai lá ver. É um pouco frio lá.
Ela disse que não havia nenhuma
cachoeira no corredor e que só havia mais camas com pacientes.
Eu insisti:
- Tem sim. Vai lá ver. Eu vi.
Ela aquiesceu e disse que quando
saísse passaria por lá.
- Veja, Cris. Ali do outro lado
do corredor. Está vendo?
Minha mulher virou-se para trás
para ver o que eu mostrava e disse:
- Sim. O que tem?
- Lá... Eles servem comida chinesa.
- Não, Gê, lá faz parte da UTI.
- Eu sei. Lá é a ala tailandesa,
chinesa, sei lá. Foi lá que eu fiquei no berço. Lembra?
- Hã?...
- No berço.. você não lembra?
- Hã-hã! Sei... Sei. – disse minha mulher com desconfiança.
- Você lembra ou não lembra do
hospital tailandês, onde eu fiquei?
- Lembro.
- Olha lá. Na outra UTI.
- Sim. O que tem? – disse minha
mulher, virando-se novamente para trás para ver o que mostrava.
- Está vendo, aquele velhinho no
outro lado?
- Sim... estou vendo um
paciente. Que tem ele?
- Ele é chinês.
- Não, Gê. Ele é um paciente
normal. – disse ela sorrindo.
- É chinês. Olha a barba
comprida e branca dele.
- Hã?...
- Olha lá direito.
- Estou vendo... É verdade. Você
tem razão. – concordou minha mulher. – O que mais você esta vendo lá?
- Todos os dias, na hora do
almoço, vêem uns enfermeiros chineses. Eles trazem uma mesinha de madeira,
colocam na cama sobre as pernas dele.
- Que legal!
- Na mesinha tem vários pratos
com comidas chinesas. Parece tão gostosa...
- Deve ser.
- Ele come pouco. Depois que ele
termina de comer, eles vem com uma chaleira e despejam o chá em uma xícara de
porcelana chinesa. Vem junto um pratinho com bolinhos chineses.
- Que bom.
- Ele fica dormindo sentado o dia
todo.
- E você fica vendo tudo isso?
- Fico. Quando puder comer,
quero comer lá.
- Está bem, Gê. Quando você
puder, você vai comer comida chinesa e o que mais quiser.
- Quero comer mamão papaia.
Sinto falta das frutas.
Diariamente, antes da cirurgia,
eu comia caju, mamão papaia e manga, no meu café da manhã.
- Depois que você sair daqui,
você vai poder comer tudo que você quiser. A doutora Kátia disse que você já está
bem melhor. Logo, logo, você vai para o apartamento.
- Quero ficar no oitavo andar.
Na minha primeira cirurgia eu
fiquei no oitavo andar do hospital. O corpo de enfermeiros que me atendeu foi
muito atencioso comigo. Eu queria voltar a ficar lá, pois sabia que lá seria
muito vem recebido.
- Eu vou pedir. Fique tranquilo.
Você gostou de ficar lá da outra vez, não é?
- Sim. Dá um jeito para eu ficar
no oitavo.
- Eu vou ver isso.
- Quero bocejar com água.
- De novo, Gê?
- Estou com muita sede. Pega lá,
Cris, por favor.
- Vou pegar. Mas, você não pode
engolir...
- Eu sei. Só vou bochechar.
Minha mulher foi até a bancada
da enfermaria e voltou sem a água.
- Gê, a enfermeira disse que
você não pode beber água. São ordens da doutora Kátia. – disse ela aborrecida.
– Como é que pode? Eu não gosto dessa enfermeira.
- Cris, ela não entende nada.
Vai lá e pega. Não pergunta. Diz que é para você.
- Gê...
- Não discute. Pega. Estou
morrendo de sede.
- Gê...
- Cris, por favor. Vai lá e pega.
Só um pouquinho. Vai. Fala que é para você.
- Deixa ela ir embora que eu
pego.
Fiquei olhando em direção à
enfermeira que minha mulher disse que negara a minha água.
- Vai... Agora. Ela saiu. Traz
uma garrafa.
- Será que pode?
- Cris, não pergunta se pode.
Pega. Se não puder alguém fala. Ai você já pegou. Pega.... A gelada!
Minha mulher, finalmente, pegou
os copos e a garrafa com água.
Quando eu comecei a bocejar
apareceu a Dra. Kátia na UTI.
Ao ver que estava com um copo
d’água na mão, veio, imediatamente, falar comigo.
- Senhor José, o senhor sabe que
não pode beber água.
- É só um pouquinho. Para molhar
a boca, doutora. Está muito seca. – disse.
- Está bem. Mas, depois chega. Eu
sei que o senhor está querendo molhar a boca toda hora...Eu estou sabendo. Mas,
não pode. – disse a Dra. Kátia com um sorriso.
- Pega um chocolate, doutora. – disse
minha mulher para descontrair a situação.
- Será que eu pego? Isso
engorda... - disse a Dra. Kátia indecisa.
- Pega.
- Vou pegar. Adoro chocolate. Mas,
só um. Obrigada.
- Eu trouxe para vocês comerem.
– disse minha mulher empolgada. – Chocolate é energia. Vocês precisam de muita
energia para aguentar esses pacientes todos aqui.... Não deve ser fácil trabalhar
na UTI.
- Não é mesmo. Mas, até que o
senhor José não dá trabalho. – disse a Dra. Kátia.
- Eu sei. – disse minha mulher
rindo. - Ele é muito manhoso. Sempre foi.
Sorvi um pouco da água e fiquei
com ela um bom tempo na boca, antes de despejar no outro copo, enquanto elas
conversavam.
Pensei: Que delicia. Nunca
pensei que água era tão bom.
- Doutora Kátia, a senhora não é
daqui de São Paulo, é? – perguntei.
- Não, meu filho, não sou daqui.
- É que a senhora tem um sotaque
diferente.
. Sou paraense. De Belém do
Pará. Você conhece?
- Claro que sim. Minha mãe é de
lá. Nasceu na ilha do Marajó.
- Gente boa.
- É mesmo. Meu avô tinha uma
fazenda na ilha. Criava búfalo.
- Aquilo é uma coisa linda.
Única no mundo.
- É mesmo. E as comidas, então?
- Adoro pato no tucupi.
- Estou louco para tomar um
açaí.
- Você gosta de açaí?
- Adoro.
- Mas, é muito forte. O teu
fígado tem que recuperar primeiro. Tem muito ferro e é metabolizado no fígado.
- Não tem problema. Eu espero o
tempo que for necessário.
- Eu gosto daquele docinho feito
com castanha do Pará, coberto com ameixa preta. Como é que chama mesmo?
- Minha mãe chamava de olho de
sogra.
- É esse mesmo. Não encontro
aqui em São Paulo.
- Eu também gosto, mas faz tempo
que eu não como. Minha mãe fazia todo natal.
A partir daquele momento, a Dra.
Kátia ficou minha amigona. Havia uma ligação regional que nos unia. Era minha conterrânea!
Como encerrou a visitação, minha
mulher foi-se embora.
continua no próximo capitulo
continua no próximo capitulo
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