Capitulo XXVIII – Momentos
finais na UTI
Apareceu uma enfermeira para
trocar o refil da alimentação.
A alimentação era um preparado líquido,
nutricionalmente completo, com
sabor de chocolate, importado
da Suíça.
Recebia essa alimentação por
sonda nasogastrica, que conduzia o liquido até meu estomago.
Ela pegou uma seringa e colocou
água. Depois ela desconectou o tubo do refil e introduziu a agulha no tubo para
fazer a limpeza, que ia para meu estomago. Toda vez que trocavam o refil eles faziam
esse procedimento.
Quando ela apertou o embolo da
seringa e a água foi ao meu estomago, eu senti um pouco o gosto da água na
garganta.
- Põe mais um pouco de água –
pedi.
- Por que?
- Para eu sentir na garganta.
- Mas, a água não sobe. Ela vai
direto para o duodeno.
- Acho que não. Eu senti a água
subir na garganta.
- Mas, a água não sobe.
- Sobe sim. Eu senti... Dá para
você colocar mais um pouco de água... Por favor...Faz isso para mim, por favor.
Ela me atendeu e fiquei
satisfeito.
A água, naquele momento, era uma
maravilha.
- Pega um chocolate, ai. – disse
para ela, apontando para o criado mudo, onde ficava a caixa com os chocolates.
- Obrigada. Vou pegar um só.
- Pode pegar mais. É para vocês.
- Vou pegar um só. Obrigada.
Mais tarde apareceu um
enfermeiro junto com uma enfermeira para me darem banho.
Foi um dos melhores banhos que
tomei. Ele fez a minha barba.
Estava tão relaxado que
cochilei.
De repente, acordo.
Vejo ele raspando meus pelos
pubianos na base de meu pênis com um aparelho de barbear descartável.
Ela estava do lado dele
observando e conversando com ele.
Fiquei assustado.
Pensei: o que ele esta fazendo?
O enfermeiro percebeu que
despertei e perguntou:
- Você não esta com medo, não?
Pensei: preciso demonstrar
tranqüilidade.
- Não! Por que estaria?
- É que estou usando esse
barbeador...
- Estou tranquilo. Você sabe
fazer bem o que esta fazendo.
- Estou cortando os pelos porque
vou colocar um uripen em você.
- Uripen? O que é isso?
- É um material que vai ajudar
você a urinar durante a noite sem se molhar. Não vai precisar trocar a fralda
durante a noite. Assim você dorme mais tranquilo.
- Legal. Como chama mesmo esse
negócio?
- Uripen.
- Nunca ouvi falar.
- É uma camisinha adaptada, que
tem na ponta um tubo que liga a camisinha no coletor de urina.
Pensei: Que invenção! A mulher é obrigada a
usar a “comadre”. Não é fácil. Ainda bem que nós homens temos o uripen.
Precisam inventar um desses para as mulheres.
Em seguida, cuidadosamente, com
a ajuda da enfermeira, ele colocou o uripen. Depois de introduzido ele colocou
um esparadrapo apropriado, na base, para melhor fixar.
À noite apareceu o Dr. Paulo Renato para me
visitar.
Ele disse que havia solicitado
que me tirassem a sonda urinária, para eu voltar a urinar normalmente. Ao ver que usava o uripen, ele me orientou a
não ficar o tempo todo com ele. Argumentei que só usaria a noite, pois como urinava
muito, acabava molhando a fralda e tendo que troca-la diversas vezes. Ele concordou
que usasse à noite. E de dia que usasse o que eu chamava de “compadre”.
Diariamente,
toda noite, havia uma rotina para perturbar a tranquilidade do sono.
Começava por volta das onze da
noite com a limpeza do piso da UTI.
A limpeza era feita por um casal
de faxineiros, que chegava com um carrinho apropriado para limpeza e com uma
máquina, uma espécie de enceradeira grande, com a base rotativa.
O carrinho de limpeza era
equipado por vários compartimentos adequados a cada uma das peças que
carregava. Havia um esfregão com cabo de plástico e na extremidade tinha um
chumaço com tiras de um material apropriado para absorver liquido, da cor
amarela. Havia um rodo comum de plástico. Havia um balde de seção retangular, de
um plástico resistente, contendo água misturada com um produto químico. O balde
ficava localizado embaixo de uma máquina montada no carrinho, que tinha um
mecanismo que drenava a água das tiras da vassoura, através da torção das mesmas.
Um dos faxineiros jogava o
liquido no chão, usando um balde. Depois espalhava esse liquido com o rodo.
O cheiro desse liquido era repugnante
para mim.
Enquanto isso, o outro faxineiro
passava a enceradeira, que, apesar de não ser muito barulhenta, em razão do
silencio noturno, causava uma sensação de barulho desagradável.
Depois, o primeiro, com o esfregão de tiras
amarelas, recolhia a água. Quando as tiras estavam encharcadas, ele coloca as
tiras na máquina, as apertava com um mecanismo próprio, a água caia no balde e
era novamente reaproveitada em ouro local.
Terminada a limpeza, por volta da meia noite,
uma da manhã, era a vez dos radiologistas.
Apareciam dois radiologistas,
com um aparelho móvel para realizarem o raio X dos pulmões. Eles visitavam
quase todos os pacientes da UTI. Eu era um dos pacientes que se submetia a esse
procedimento diariamente.
Eles acordavam o paciente,
sentavam-no e colocavam uma chapa dura nas costas. Posicionavam essa engenhoca
sobre rodas e realizavam a operação.
Concluída essa etapa, por volta
das três horas da madrugada, era a vez da coleta de sangue. Apareciam as
enfermeiras, munidas de suas maletas apropriadas para guardar os tubos com os
materiais coletados.
De mim coletavam sangue de uma
veia arterial no meu pulso. Era uma dor insuportável.
Após essa atribulada noitada,
era possível dormir até às sete da manhã, quando ocorria a troca de turno dos
auxiliares de enfermagem.
O líder deles distribuía a
equipe por lotes de pacientes. Começavam suas atividades com a higienização de
cada paciente e depois ofereciam a alimentação para os que estivessem liberados
para fazer refeição.
Nessa higienização eu escovava
os dentes e era feito um asseio geral.
Em geral quem me atendia era uma
enfermeira chamada Michele.
Ela e seus colegas me deixavam
um pouco irritado e impaciente.
Ao invés de iniciarem logo
serviço, eles solicitavam café com pão na chapa. Ficavam conversando e degustando
por um longo tempo.
Aquilo me aborrecia, porque não
aceitava que eles se alimentassem no horário de trabalho. Que o fizessem antes.
Também, porque aquela demora parecia uma eternidade e eu queria começar logo
minha higienização.
Não reclamava nada, pois
acreditava que primeiro nada iria resolver. Depois, não queria ficar com fama
de chato e eles acabassem me maltratando. Mas que aquilo me deixava irritado,
me deixava.
Como estava usando uripen,
solicitei para Michelle tirar o aparelho. Ela respondeu que não podia,
explicando que poderia machucar meu pênis com esse procedimento de tirar e recolocar
toda hora.
- Por favor, tire o uripen. –
pedi novamente.
- Já disse que não pode.
- Por favor, tira.
- Você tem certeza que quer
tirar?
- Claro que sim.
- Depois que tirar não pode
colocar de novo.
- Eu sei. Não vou colocar agora.
Só vou colocar de noite.
- Quem mandou tirar?
Lembrei da recomendação do Dr. Paulo Renato e disse:
- Foi o meu médico que mandou
tirar. Se você não tirar ele não vai gostar.
- Ele mandou mesmo?
- Pergunta para ele. Foi ele
quem mandou. Eu só estou repassando o recado que ele mandou.
- Então está bem. Vou tirar.
Pensei: Que despreparada. Afinal
ela não sabe que tem que tirar o uripen?
Ela não sabe disso? É preguiça dela, ou o que é?... O que tem de gente
despreparada aqui. Impressionante. Tive que ser insistente para ela obedecer.
Que despreparada... Bem, por outro lado...estava esquecendo. Ela é lésbica...É
isso! Vai ver que não gosta de pegar em pau.
Relaxei e ri de mim mesmo pela
conclusão final.
A Dra. Kátia chegava por volta
das oito horas, lia os prontuários e os resultados dos exames de cada paciente.
Depois elaborava uma espécie de receituário contendo o kit remédio, que ficava
em uma pasta de plástico individualizada por paciente.
Os enfermeiros, na medida da conclusão de suas
tarefas preliminares, iam até a mesa da Dra. Kátia e recolhiam os receituários
e preparavam a aplicação dos remédios de cada paciente.
Naquela
tarde de quinta feira a Dra. Kátia disse que havia grandes possibilidades de eu
sair da UTI após o final de semana. Tudo dependeria do resultado do exame de
deglutição que faria no final da tarde e do meu desempenho na alimentação.
Fiquei ansioso para que a fonoaudióloga viesse o mais rápido para fazer os testes.
Mas, a Dra. Kátia foi embora e a
médica não apareceu. Perguntei por ela para vários enfermeiros. Uns diziam que
ela estava atendendo pacientes no hospital e que tão logo pudesse ela viria me
ver. Outros nem sabiam da existência ou programação de visita dela.
Já era quase dez horas da noite.
Eu continuava ansioso pela vinda dela. Dormia e acordava na esperança que ela
chegasse.
Pensei: Ela não vem mais. Vou
dormir.
Fechei os olhos.
- Senhor José. – disse a médica.
– O senhor está acordado?
Prontamente abri os olhos e
disse:
- Sim. Puxa, que bom vê-la.
Pensei que a senhora não viesse mais hoje.
- Eu realmente estava muito
ocupada, mas eu disse que viria e vim. Podemos começar o teste?
- Claro.
- O senhor vai beber devagarinho
esse copo d’água. Gole por gole. Não pode ser no gute gute. Beba um pouquinho.
Engole. Espera um pouco. Bebe de novo um pouquinho e engole. Eu vou ajudando. Entendeu?
- Que maravilha. Vou beber água.
Estou pronto.
- Devagar. O senhor não pode
engasgar. Senão a água vai para o pulmão e ai complica tudo de novo. Com muita
calma.
- Pode deixar.
Engoli uma, duas, bebi o copo
todo exatamente como ela recomendara.
- E então? Tudo bem? – perguntou
a médica.
- Sim. Tudo bem. Como é gostoso
beber água.
Ela examinou minha garganta com
o cateter e disse:
- Está tudo certo. Agora o
senhor vai beber esse copo todo no gute gute. Se engasgar o senhor para.
- Pode deixar. Estou louco para
beber mais água.
Virei o copo e bebi tudo no gute
gute.
- E então? Tudo bem?
- Sim. Estou ótimo. E feliz por
beber água.
- Agora, senhor José eu vou dar
esta sopa para o senhor. Foi a única que encontrei. Nem sei o sabor.
- Não tem problema. Com a fome
que eu estou, tomo qualquer coisa. Quero comer. Estou faminto. Esse sorinho que
está na veia não me alimenta.
- O senhor está se alimentado, sim,
senhor José. Não é só sorinho, não. O senhor recebe uma alimentação com todos
os nutrientes no estomago pelo tubinho que está em seu nariz.
- Eu sei. Mas, quero substancia.
- Então, vamos começar?
- Vamos, mas eu não tenho força
para segurar a colher.
- Não se preocupe. Eu sirvo o
senhor com a colher. Vou colocar em sua boca e o senhor sorve, devagar. Curta a
sopa. Sem pressa.
- Está certo.
- Depois, eu vou mandar o senhor
engolir um pouco mais rápido. Depois devagar novamente. Quero observar sua
deglutição. OK?
- OK.
Ela começou gentilmente a me
servir a sopa. Estava inebriado. Bebera água, agora a sopa.
Pensei: Agora estou na reta de
saída.
- Senhor José eu estou dando
alta para o senhor quanto a poder se alimentar. O senhor fez tudo certinho. Vai
poder comer apenas comida pastosa e um pouco de liquido. Nada de sólido, por
enquanto. Aos poucos o senhor volta a comer sólido.
- Posso beber água?
- Pode. Mas, com calma. A água é
muito liquida. Beba devagar.
- Que bom!
- Eu vou acompanhando o senhor.
Volto ainda no final de semana para ver como o senhor está.
- Muito obrigado, doutora. Muito
obrigado mesmo.
- Agora descanse. Até mais.
- Até. Tchau.
Ela foi embora. Passado uns
minutos chamei uma enfermeira.
- Por favor, quero água.
- O senhor não pode.
- Posso sim. A médica liberou.
- Que médica?
- A fono. Ela saiu daqui há
pouco. Ela me deu água e sopa. Pode ver ai. Está escrito.
– O senhor tem certeza?
- Claro... Você acha que eu estou
mentindo?
- Não. Não é isso. Deixa eu
ver...
E ela foi ver meu prontuário.
- Está certo. O senhor pode
beber um pouquinho. Vou pegar um copo.
Só um, está bom?
Ela foi até o balcão da
enfermaria e trouxe meio copo d’água.
Bebi aquela água como se fosse a
coisa mais maravilhosa do mundo.
- Mais um... Por favor.
- Senhor José... Agora chega. O
senhor não pode abusar. Mais tarde o senhor toma de novo.
Dormi.
continua no próximo capitulo
continua no próximo capitulo
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