sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A Fuga!

O ano era 1964!
Tinha doze anos e estava no primeiro ano do ginásio.
Estávamos em julho.
Portanto em ferias escolares.
Como sempre, em julho, meu pai empreendia viagens para nos oferecer a cada ano um destino turístico variado.
Desta vez, nosso destino foi Buenos Aires, na Argentina.
Como viajávamos de carro, em um DKV azul, meu pai, minha mãe, meus 2 irmãos e eu, para que tolerássemos o passeio sem muito estresse, meu pai fez um plano com trechos de viagem não muito longos.
O plano era sair de São Paulo e dormir em Curitiba.
De Curitiba, seguiríamos pelo interior de Santa Catarina, pernoitaríamos em Lajes, ate chegar em Porto Alegre.
De Porto Alegre cruzaríamos a fronteira do Brasil com o Uruguai, via Pelotas, onde pernoitaríamos.
No Uruguai atingiríamos a cidade de Trinta e Tres, onde faríamos nova parada e seguiríamos ate Montevidéu, onde ficaríamos uns dias.
De Montevidéu seguiríamos ate a cidade de Colônia, onde faríamos a travessia do Rio da Prata por um navio balsa, ate chegarmos a Buenos Aires, nosso destino final.
Era um final de tarde ensolarado, quando adentramos a cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul.
Ao circularmos por Pelotas na procura de um hotel, percebi que havia um clima estranho.
No dia 31 de março tinha havido a queda do governo do presidente João Goulart, que se encontrava no Rio Grande do Sul.
Jango, como ela era conhecido, traçou o caminho de fuga do Rio Grande do Sul para um asilo no Uruguai.
Pelo fato de Jango ser gaúcho, ainda havia no Rio Grande do Sul um certo ar de resistência e medo ao regime militar recém instalado.
As pessoas nos olhavam com certa desconfiança e curiosidade. 
Chegamos no hotel e nos alojamos.
Quando fomos jantar apareceu um gaúcho vestido a caráter, que se aproximou da nossa mesa e dirigindo-se a meu pai disse algo assim:
 - Companheiro, não te preocupes. Estamos aqui para te dar guarida. Fique tranqüilo. Amanhã logo cedo vira uma outra pessoa para te levar junto com a tua família para um lugar seguro.
Meu pai ficou sem entender nada.
Mas não o contestou.
Agradeceu a hospitalidade e continuou conversando com o estranho que nos abordara.
Não prestei atenção, pois éramos crianças e queríamos brincar.
Apos chegarmos ao quarto meu pai nos disse que aquele gaúcho deveria estar o confundindo com algum político em fuga.
Alguém que deveria estar fugindo do novo governo revolucionário que se instalou em Brasília.
E nos avisou que acordaríamos bem cedinho para irmos embora sem que ele nos reencontrasse.
Assim foi feito.
No dia seguinte saímos sem tomar o café da manhã no hotel.

Depois, já no Uruguai, meu pai nos descontraia, com seu riso gostoso, recontando a historia que ficou marcada em minha memória como a fuga dos que não eram fugitivos do governo militar.

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