O ano era 1964!
Tinha doze anos e estava
no primeiro ano do ginásio.
Estávamos em julho.
Portanto em ferias
escolares.
Como sempre, em julho, meu
pai empreendia viagens para nos oferecer a cada ano um destino turístico
variado.
Desta vez, nosso destino foi Buenos Aires, na Argentina.
Como viajávamos de carro, em
um DKV azul, meu pai, minha mãe, meus 2 irmãos e eu, para que tolerássemos o
passeio sem muito estresse, meu pai fez um plano com trechos de viagem não
muito longos.
O plano era sair de São
Paulo e dormir em Curitiba.
De Curitiba, seguiríamos pelo
interior de Santa Catarina, pernoitaríamos em Lajes, ate chegar em Porto Alegre.
De Porto Alegre cruzaríamos
a fronteira do Brasil com o Uruguai, via Pelotas, onde pernoitaríamos.
No Uruguai atingiríamos a
cidade de Trinta e Tres, onde faríamos nova parada e seguiríamos ate Montevidéu, onde ficaríamos uns dias.
De Montevidéu seguiríamos
ate a cidade de Colônia, onde faríamos a travessia do Rio da Prata por um navio
balsa, ate chegarmos a Buenos Aires, nosso destino final.
Era um final de tarde
ensolarado, quando adentramos a cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul.
Ao circularmos por Pelotas
na procura de um hotel, percebi que havia um clima estranho.
No dia 31 de março tinha havido
a queda do governo do presidente João Goulart, que se encontrava no Rio Grande
do Sul.
Jango, como ela era
conhecido, traçou o caminho de fuga do Rio Grande do Sul para um asilo no
Uruguai.
Pelo fato de Jango ser gaúcho, ainda havia no Rio Grande do Sul um certo ar de resistência e medo ao
regime militar recém instalado.
As pessoas nos olhavam com
certa desconfiança e curiosidade.
Chegamos no hotel e nos alojamos.
Quando fomos jantar
apareceu um gaúcho vestido a caráter, que se aproximou da nossa mesa e dirigindo-se
a meu pai disse algo assim:
- Companheiro, não te preocupes. Estamos aqui para
te dar guarida. Fique tranqüilo. Amanhã logo cedo vira uma outra pessoa para te
levar junto com a tua família para um lugar seguro.
Meu pai ficou sem entender
nada.
Mas não o contestou.
Agradeceu a hospitalidade e
continuou conversando com o estranho que nos abordara.
Não prestei atenção, pois éramos
crianças e queríamos brincar.
Apos chegarmos ao quarto
meu pai nos disse que aquele gaúcho deveria estar o confundindo com algum político
em fuga.
Alguém que deveria estar
fugindo do novo governo revolucionário que se instalou em Brasília.
E nos avisou que
acordaríamos bem cedinho para irmos embora sem que ele nos reencontrasse.
Assim foi feito.
No dia seguinte saímos sem
tomar o café da manhã no hotel.
Depois, já no Uruguai, meu
pai nos descontraia, com seu riso gostoso, recontando a historia que ficou
marcada em minha memória como a fuga dos que não eram fugitivos do governo
militar.