segunda-feira, 7 de julho de 2014

Uma experiencia bio desagradavel - capitulo XXIV

Capitulo XXIV – A primeira saída da UTI

A noite chegou.
Flavio aparece. Sem falar nada, me tirou da UTI e me levou para um bar no meio de um deserto.
O bar tinha as características daqueles de filmes de  “far west”. Todo revestido em madeira, com um balcão também de madeira. No teto haviam rodas de carroças penduradas, com luminárias.
Fiquei sentado em uma cadeira, amarrado, no meio do salão. Não havia mais ninguém. Só eu e o Flávio.
Ele bebia muito e toda hora perguntava se eu queria beber também. Eu respondia que não podia, mas que sentia muita sede. Queria beber água.
Ele estava muito inquieto. Andava de um lado para outro.
De repente, aparece um trem, tipo Maria fumaça, com alguns vagões. Não era muito grande e também não era trenzinho de brinquedo. Tinha um tamanho suficiente para caber por inteiro dentro do bar.
Saiu da lateral direita do bar, passou na minha frente, sobre um trilho que apareceu do nada e entrou na lateral oposta.
Passou um lapso de tempo e o trem voltou a aparecer na lateral direita e fez o mesmo movimento. Ficou a noite inteira rodando. E eu sentado, de castigo, olhando.
Pensei: Quando isso vai acabar? Precisa amanhecer logo. Não aguento mais isso. Bom, pelo menos não tem sessão tortura. Isso já é ótimo.
Depois, soube que havia um paciente fazendo diálise a meu lado. O barulho que o aparelho faz, assemelhas-se a um trem se movimentando.
Começou a amanhecer.
Escutei um barulho de carros no teto do bar.
Aos poucos fui subindo envolvido em uma nevoa branca.
De repente, estava numa laje sobre o teto, onde estavam uns jipes e bugues, estacionados. Eram coloridos, com a estampa de uma marca de um refrigerante que não conhecia.
Em um deles estava minha mulher, que falou que estava produzindo um comercial de um refrigerante novo.
Estranhei um pouco, pois ela não é da área nem trabalha com isso.
Ela disse que conheceu um garoto argentino e virou empresária do garoto. Como ficou sabendo que estavam procurando um garoto com o perfil dele para fazerem um comercial, ela o apresentou e conseguiu um contrato. 
Dentro dos veículos havia muitas latinhas do refrigerante dentro de uma caixa de isopor com gelo..
Todas as pessoas que estavam ali seguravam um refrigerante e o bebiam com satisfação.
Aquilo me deu sede. Eu estava com muita sede. Pedi para beber o refrigerante, mas apareceu Dra. Kátia dizendo, amavelmente:
            - Não senhor José Geraldo, o senhor não pode beber nada.
Olhei melhor e vi que a Dra. Kátia estava com os cabelos alisados e bem tratados. Olhei as mãos dela e vi que estava com as unhas pintadas. Olhei seu rosto e vi que estava maquiada e com um batom vermelho.  Trajava um vestido justo na cor vermelha.
Pensei: Como ela está bonita hoje.
- Ela também vai participar do comercial – disse minha esposa.
- Sim, me convidaram...eu aceitei. - disse Dra. Kátia.
E os veículos começaram a se movimentar, levantando um pouco de areia.
Entrei em um deles, acompanhado de uma enfermeira. Ela segurava uma base metálica típica, onde estava pendurado um frasco com soro, que estava ligado por um tubo no meu braço direito.
Fomos para a cidade universitária da USP, onde estava sendo realizada a filmagem do comercial.
O local era uma das praças rotatórias, próxima as instalações da faculdade de medicina. Embora sabendo que a faculdade de medicina da USP esta localizada fora da USP, aquela era a minha realidade.
No centro da rotatória, sobre a grama, havia uma enorme estrutura metálica, toda envidraçada, do formato de uma meia esfera cortada ao meio, de boca para baixo.  A estrutura era constituída por peças hexagonais interligadas.
Chamavam de cubo mágico.
Internamente havia compartimentos em forma de cubos. As paredes do compartimento eram de um material semelhante a uma divisória. Assim como o piso e o teto tudo era revestido com fórmica, com exceção da parede externa, que era de vidro.
Os cubos se moviam em todas as direções, como no brinquedo cubo mágico.
O garoto estava no topo do cubo. Parecia ter uns cinco a seis anos,  Seu rosto era muito branco, tinha os cabelos lisos, pretos e curtos, Tinha olhos azuis. Trajava uma calça preta, curta e com suspensórios, uma camisa branca com a manga dobrada e sapatos pretos com meia soquete branca. 
Começou a filmagem. Ele tranquilamente bebia o refrigerante. O compartimento em que ele estava se movimentou para baixo. Em outro compartimento estava a Dra. Kátia sorrindo. Este subia.
Parecia uma roda gigante se movimentando.
Resolvi entrar na estrutura.
Tive que aguardar o término da tomada do take.
Entrei. O compartimento que entrei estava inclinado e aos poucos começou a se movimentar e ficou na posição horizontal.
O compartimento começou a se movimentar novamente. Fui avisado que precisaria mudar de compartimento, pois ele se inclinaria e não poderia ficar mais lá.
Cada vez que o cubo de movimentava, inclinando-se, era preciso mudar de compartimento.
Passei por uma porta e entrei em outro compartimento. Havia duas portas. Uma do compartimento que saia e outra na que entrava. Fechei as portas rapidamente, pois com o deslocamento as portas mudavam de posição e não se encaixavam.
Ouvi uns rangidos das paredes. Alguém me disse que era assim mesmo, pois o movimento forçava um pouco toda a estrutura.
Os movimentos dos compartimentos começaram a ser mais rápidos, obrigando uma mudança rápida de compartimento. Em uma dessas mudanças não deu tempo para passar o porta soro e foi cortado o tubo de ligação com o soro.
A enfermeira então, rapidamente, espetou outro cateter em meu braço direito para eu continuar recebendo o soro.
Fiquei nessa cansativa troca de compartimentos, que não tinha fim.
Estava cansado e sentia muita sede.
Pedi para tomar o refrigerante, mas a enfermeira disse que eu não podia beber nada.
Decidi sair do cubo mágico.
Enquanto isso a filmagem continuava.
Falei para Cristina, minha mulher, que precisava voltar para o hospital, para descansar.  Ela disse que me acompanharia.
Fui caminhando com ela até a porta de um hospital próximo.
Lá chegando, eu tentei me comunicar com as pessoas para dizer que precisava ser tratado. As pessoas passavam e não me davam atenção.
Minha esposa resolveu entrar no hospital para se informar sobre a minha internação no local. Pediu para eu aguardar na porta.
Eu continuei tentando falar com as pessoas que passavam. As poucas que consegui parar, não entendiam o que eu queria dizer. Não conseguia falar. Não tinha voz.
Como a Cristina não voltava, fui me movimentando em direção à faculdade de medicina, junto com um grupo de pessoas.
De repente me vi na frente da entrada da faculdade.
Havia uma rampa em curva que conduzia a um pórtico de concreto armado, onde ficava a portaria. Ela estava localizada em um nível mais baixo do que o nível da rua.
Desci a rampa. Chegando à região das catracas, vi um anãozinho. Olhei para ele e reconheci como o mesmo que ficava na recepção da UTI.
Cumprimentei-o. Ele disse que trabalhava na faculdade, como porteiro.
Perguntei onde ficava localizada a direção da faculdade. Ele me disse que a diretora da faculdade era a Dra. Kátia e me indicou o caminho.
Saindo da portaria, havia um imenso pátio.
Do lado esquerdo havia algumas casas térreas. Em uma delas ficava a diretoria.
Do lado direito havia diversos prédios de um pavimento. Pareciam galpões industriais. Tinham paredes revestidas com um chapiscado grosso, na cor cinza, formando um rodapé de um metro de altura. O resto da parede era pintado na cor bege claro. Eram cobertos com telhas francesas, que não se via, pois havia uma platibanda. O vão das janelas era emoldurado com uma faixa na cor branca. As janelas eram de perfis de ferro, tipo basculante com vidros martelados.
Caminhei até um dos prédios e entrei. Era a ala da fisioterapia.
Ouvi o alto falante chamar Mariana, a fisioterapeuta filha da Dra. Kátia.
Pensei: Interessante. Ela trabalha aqui também. Então é isso. Todo mundo que trabalha na UTI está aqui na faculdade.  A Dra. Kátia é diretora daqui da faculdade e deve contratar esse pessoal, no hospital, por um valor menor que o mercado. Como são funcionários públicos, o pessoal aceita, pois acabam dando um jeito de faltar na faculdade e trabalhar no hospital. Assim recebem um salário maior, cumprindo a mesma jornada de trabalho. Ela, por sua vez, economiza no custo operacional da UTI. Saem todos ganhando. Menos o contribuinte. A Dra. Kátia sabe ganhar dinheiro.
Mariana passou por mim, perguntou se não queria colocar a máscara para fazer a ventilação dos pulmões. Disse que não. E fui embora, rapidamente, antes que ela me pusesse à força.
Sai daquele prédio. Continuei andando, passei por diversos prédios.  Até que cheguei num prédio, identificado como de psiquiátrica. Havia uma escadaria para acessar a porta principal.  Sentei-me no guarda corpo da escada.
Vi no chão uma peça de madeira e peguei. Era uma peça de madeira articulada, com um prego grosso no meio. Parecia um garrote. Resolvi colocar no braço para experimentar e ver como funcionava.
Continuei andando com a peça de madeira colocada no meu braço, sem prender.
Afastei-me um pouco dos prédios e voltei para a região das casas onde ficava a diretoria da faculdade para falar com a Dra. Kátia.
Como havia muita gente esperando para falar com ela, sentei-me em uma mureta, aguardando a minha vez.
Nisso saiu a Dra. Kátia rodeada de alunos.
Tentei chama-la várias vezes, acenando com as mãos, mas não consegui fazer com ela me visse.
Não tinha voz. Não consegui gritar.
Ela foi-se embora junto com os alunos.
Resolvi tirar a peça de madeira do meu braço, que não estava totalmente colocada.
Quando estava quase soltando, apareceu uma enfermeira oriental dizendo que finalmente achara o paciente que precisava colocar o garrote. Disse isso olhando para mim.
Tentei falar para ela que peguei o garrote só para ver, que não era meu. Mas não conseguia falar.
Ela insistia, dizendo que eu devia colocar o aparelho, pois era recomendação médica.
Ela tentava a todo custo enfiar o garrote no meu braço. Eu resistia. Começou a me machucar, pois o prego grosso penetrava na dobra interna do cotovelo, onde se aplica injeção na veia.
Chutei a enfermeira, empurrava-a com meus pés. Mas quanto mais eu resistia, mais ela forçava. Ela tinha uma força descomunal. Eu não conseguia me livrar dela.
Ela pediu ajuda. Acabei sendo imobilizado por um outro enfermeiro mais forte. Ela, finalmente, colocou o garrote com o prego em meu braço. E foram embora.
Olhei e vi que estava com toda a região da dobra do braço avermelhada.
Pensei: Desgraçada. Olha só o que ela me fez.
Tentei, mas não conseguia retirar o garrote. Ele estava preso com cadeado.
Pensei: E agora. O que é que eu faço?
Olhei ao redor e vi adiante da diretoria um prédio construído no estilo tailandês. Resolvi entrar nele e pedir ajuda.
Nisso apareceu novamente a enfermeira. Ela retirou o garrote do meu braço, alegando que este era o único e precisava dele para utilizar em outro paciente.
Pensei: Ufa! Até que enfim ela entendeu que não era para mim.
            Para acessar o prédio, havia uma escadaria em mármore branco.
Subindo a escadaria, havia um amplo terraço semi coberto. De um lado havia um lago coberto por um gazebo, coberto com uma trepadeira com flores vermelhas.
Do outro lado, na parede lateral, havia um relógio enorme, de pedra, com desenhos representativos da cultura tailandesa, em alto relevo.
Dentro do lago havia pedras, formando uma passarela. Tinha também peixes ornamentais grandes.
Apareceram umas moças orientais, sem sapatos, vestidas com roupas tipicamente tailandesas, com tecidos coloridos em tom pastel. Estavam maquiadas com uma textura própria e característica, tendo como fundo uma cor branca e delineando a boca e olhos cores forte. Na orelha tinham brincos grandes. No cabelo liso e negro havia algumas argolas coloridas formando um rabo de cavalo.
Começaram a saltitar delicadamente sobre as pedras. Isso fez movimentar o relógio. Havia duas portas laterais ao relógio, tipo de um cuco grande. Elas foram abertas. Do vão de uma delas surgiram diferentes estatuas, representativas de ícones tailandenses, que circulavam pela frente do relógio e entravam pela outra abertura do outro lado.
Ouvia uma musica tailandesa relaxante, em um volume de som baixo.
Estava me sentindo relaxado e apreciava os movimentos.
Nisso apareceu um senhor, com uma barba branca comprida e bem tratada. Tinhas os cabelos brancos compridos e presos, formando um rabo de cavalo. Ele estava enrolado em uma manta branca. Parecia um monge.
Ele saiu de dentro do prédio, veio em minha direção e me convidou para entrar. Aceitei.
Lá dentro, enquanto percorria o caminho que o homem me indicava, vi mobiliários típicos da Tailândia. Cadeiras e mesas de madeira talhados com desenhos em alto relevo. Parecia que estava na Tailandia.
Descemos uma escada até o subsolo e chegamos a uma UTI, sem falara nada.
Nesse local, uns enfermeiros orientais me colocaram deitado, com movimentos suaves, em um tipo de um berço, feito com rede. Era um pouco pequeno para mim. Tive que encolher as pernas.
Pensei: Os orientais são mais baixos, por isso que não caibo.
O salão da UTI não era muito grande e só havia meu berço.
Escutei uma voz ao longe procurando por mim. Era minha mulher. Eles não a deixaram entrar. Ouvi dizerem que ela chegara fora do horário de visita.
Ela discutia com um atendente, dizendo que queria me ver. Mas não teve jeito. Não a deixaram entrar. Eu até tentei conversar com um enfermeiro para tentar explicar que eu precisava vê-la, mas não conseguia falar.  

                                      continua no próximo capitulo

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