Capitulo XXX – Volta pra casa
No dia seguinte, um enfermeiro
veio me ajudar a tomar o meu primeiro banho de verdade, após quarenta e cinco
dias.
Como eu estava muito fraco, ele
me colocou em uma cadeira de rodas e me conduziu para o banheiro.
Ele ajustou a cadeira no vaso
sanitário para que fizesse as necessidades fisiológicas, sem que tivesse que me
levantar.
Depois, ele colocou a cadeira
dentro do box do chuveiro.
Não conseguia me lavar sozinho. Ele
me ensaboou todo.
Meu cabelo parecia um ninho de
passarinho, de tão ensebado que estava. Finalmente, lavei o cabelo com xampu e
voltou a ser liso e limpo.
Não tinha forças para segurar a
toalha e me enxugar. Ele teve que me secar.
Fiquei feliz. Nada como um banho
de verdade. Não aguentava mais aquele
banho de gato que tinha na UTI.
Antes de retornar ao quarto ele
parou frente ao espelho para que eu me pentear. Queria ficar elegante.
Olhei no espelho e fiquei
espantado comigo. Parecia um daqueles judeus sobreviventes do holocausto.
Estava pele e osso. Todos os meus músculos nos braços e pernas sumiram. Perdera
quase trinta quilos.
Inicialmente, eu comia muito
pouco e lentamente. Aquela comida pastosa não era saborosa. Reclamava que
aquilo não dava para comer.
Alguns dias depois, comecei a
comer coisas um pouco mais sólidas.
Foi-me oferecido a possibilidade
de escolher um cardápio. Isso era bom, pois escolhia o que gostava. Mas, na
hora de comer, não conseguia morder nada, pois não tinha força para mastigar. Não
tinha força no queixo. Mastigava lentamente e com isso me saciava rápido.
Para recuperar a musculatura
perdida fazia fisioterapia de manhã e à tarde todos os dias, por quase uma
hora. Eram exercícios na face, nos braços e nas pernas.
Fazia com afinco, para me
recuperar rapidamente. Queria sair do hospital o quanto antes.
Aos poucos comecei a caminhar,
utilizando um andador. Ficava circulando pelo andar.
Fiquei ainda hospitalizado por
quinze dias.
Minha mulher Cristina dormiu no
mesmo quarto comigo todos os dias e pacientemente me auxiliava nas funções,
fosse à hora que fosse. Que disposição!
Em um desse dias, Dr. Fernando Mauro
Filho foi me visitar no apartamento. Disse que me vira na UTI e que eu não
estava nada bem. Disse que eu era um vitorioso, por ter me recuperado da
maneira como me recuperei. E que tive um excelente médico que me acompanhou. O
Dr. Paulo Renato .
Recebi visitas de vários amigos.
Foi muito bom.
A solidariedade recebida foi
importante. Deu mais animo. A presença de pessoas me visitando fez com que me
sentisse querido e amparado.
Finalmente, chegou o dia de sair
do hospital. A minha irmã Sarah, meu cunhado Bueno e
meu sobrinho Michel foram me buscar em seu carro.
Enquanto Cristina providenciava
a documentação para minha saída, um enfermeiro me conduziu de cadeira de rodas
até o térreo.
Ficamos aguardando na porta do
hospital, Bueno posicionar o carro
próximo a essa entrada, para que eu entrasse no carro.
Nem bem eu me acomodei no banco
de trás do carro, com a ajuda da minha mulher, disse para meu cunhado:
- Vai embora rápido. Antes que
eles mudem de idéia e me levem de novo para o hospital..
- Agora não tem problema, Gê. Você
vai para casa são e salvo. – respondeu minha irmã. – Daqui ninguém mais tira você.
A gente não deixa. Pode ficar tranquilo.
- Tem outra coisa, Sarah.
- O que é, meu irmão?
- Acho que de tanto que eu tomei
transfusão de sangue, eu não tenho mais sangue da família... Acho que vou ser
deserdado.
Rimos todos.
Estávamos alegres e eufóricos com
a minha saída do hospital.
Chegando a minha casa todos me ajudaram
a ir até meu quarto e fui colocado em minha cama.
Observei que minha mulher já
havia providenciado uma cadeira de rodas especial para que utilizasse o vaso
sanitário sem ter que sair da cadeira. Era semelhante aquela que utilizava no
hospital.
Ao deitar, quis alterar a
posição de dormir. Não aguentava mais ter que dormir com a barriga para cima.
Estava cansado de ficar nessa posição. Queria ficar de lado ou mesmo de bruços.
Mas, como tinha um inchaço
abdominal pronunciado do lado direito, em razão de uma hérnia abdominal que surgiu
devido à cirurgia, sentia dificuldade em alterar a posição. Mesmo colocando
travesseiros para apoiar minha barriga, o desconforto era muito grande.
Não sentia dores e não foi
prescrito qualquer medicamento. Apenas tomava um suplemento alimentar para
ganhar peso.
Nos primeiro dias sentia ainda
alguma confusão mental, até porque o fígado começava a se recuperar, mas não
era suficiente para filtrar toda a sorte de medicamentos que recebi durante a
estada no hospital.
Durante o dia não havia
manifestação dessa confusão. Mas, à noite eu experimentava sensações estranhas.
Na primeira noite, ao dormir, me
vi em um SPA.
Esse SPA estava localizado no
meio de uma floresta. Escutava pássaros orquestrando uma sinfonia de piados. Havia
uma clareira, rodeada por muitas árvores. O piso era feito de pedras
irregulares. No centro desse espaço
havia um pergolado de vigas de concreto, apoiado em quatro pilares redondos com
sulcos e cabidel grego.
Sob o pergolado, eu estava
deitado em uma cama especial. Essa cama
possuía sobre ela um mecanismo com cordas finas e roldanas discretas, que possibilitavam
que eu ficasse suspenso e tivesse a liberdade de me movimentar livremente.
Com esse sistema era possível eu
ficar em qualquer posição, pois não havia pressão em meu abdômen. Consegui
dormir de lado. Dormi relaxado.
A responsável pelo SPA era a mãe
do Fernandinho, que, aliás, nunca a conheci. Mas, tinha certeza que era ela.
Além da mãe do Fernandinho,
havia alguns enfermeiros que cuidavam de mim, administrando alguns remédios.
Ao acordar, o quarto estava
escuro, mas havia raios de luz do sol entrando pela fresta da veneziana. Estava
amanhecendo. Deitado, olhei em volta e estranhei o local.
Pensei: Onde estou?
Aos poucos fui reconhecendo que
estava em meu quarto.
Pensei: Aqui é meu quarto.
Mas...onde está todo aquele sistema que estava quando eu dormi? Para onde foi
mãe do Fernandinho? Onde estão os enfermeiros?
Por alguns momentos não consegui
entender como era possível eu estar em um local e de repente estar em outro. Perguntei
para minha esposa:
- Onde estão os enfermeiros?
- Que enfermeiros, Gê? Não tem
enfermeiro nenhum aqui em casa. – disse ela rindo.
- Ah! Ta bom.
- Você viu enfermeiros?
- Não... Vi, sim.
Estava um pouco confuso, mas não
queria demonstrar. Continuei não entendo como poderia sumir todo aquele
ambiente que eu vivi durante a noite e porque todos sumiam. Aos poucos fui
percebendo que tudo deveria ter sido um sonho.
- Onde você viu os enfermeiros?
– perguntou Cris.
- Não sei. Acho que sonhei. Sei
lá. Eu vi a mãe do Fernandinho.
- Que legal! Conta como foi esse
seu sonho.
Resolvi contar para ela.
Esse mesmo sonho e sensação
perduraram por vários dias.
Depois de um tempo, não mais
tive qualquer tipo de sonhos ou sensações. Passou. Voltei ao normal.
Em meados de setembro retornei
para conversar com Dr. Ro berto, da
clinica Certo. Ele me solicitou exames de colonoscopia, endoscopia, tomografia
de abdômen, tomografia de tórax.
Tendo realizado os exames voltei
a seu consultório com os resultados. Após ler os relatórios, deu-me alta.
Afirmou que eu estava igual a qualquer pessoa. Completou dizendo que não faria
nenhuma sessão de quimioterapia, pois não via resultado prático em me submeter
a um tratamento que me desgastaria sem uma certeza de que isso me protegeria no
futuro.
Cinco meses depois, quando
retornei a seu consultório ele me solicitou novamente os mesmos exames. Como
obtive os mesmos resultados, Dr. Roberto falou que agora devia dar tempo ao
tempo e periodicamente avaliar minha erradicação do câncer. Pediu para retornar
depois de um ano.
Muitos amigos me questionaram se
com essa experiência havia mudado de idéia e deixado de ser ateu. Não, ao
contrário, essa experiência só fortaleceu minha convicção e continuo ateu.
E a vida, também, continua...
Este livro não tem fim!
Original
escrito no segundo semestre de 2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é bem vindo!
Agradeço sua participação.