Capitulo XXV – Retorno à UTI
À noite, apareceu Ro berto, o enfermeiro amigo do Flávio.
Pensei: Esse cara está em todo lugar. Ele e
os outros trabalham em vários hospitais. Onde arrumam tanto tempo para
isso?
Achei estranho, pois ele não era
o enfermeiro que estava escalado para cuidar de mim naquela noite.
Ele começou a manipular os
frascos de plástico com remédios.
Observei que esses frascos
faziam parte da cortina. Ficavam na parte superior e seguravam a parte de
baixo. Cada frasco continha um tipo de medicação.
Pensei: Puxa não havia reparado
nisso antes. Que prático. O frasco serve tanto para armazenar o remédio e ao
mesmo tempo serve para segurar a cortina. Bem bolado.
Eu não queria mais ser sedado. Minha
mulher sempre reclamava que eles me sedavam justamente na hora das visitas e eu
não conseguia ficar acordado para vê-la.
Percebi que Ro berto aumentara a dosagem de sedativo. Tentei
falar para ele não fazer isso, pois depois eu ficava com muito sono. Ele contestou
dizendo que seguia a prescrição médica. Contra argumentei dizendo que o Dr. Paulo Renato havia
solicitado à enfermagem para diminuir minha sedação. Ele disse que de noite não
valia, pois eu tinha que ser sedado para relaxar e dormir.
Pensei: Esse cara é chato. Quer
me sedar mesmo. Qual a finalidade dele me sedar?
Começou a sessão de banho na UTI.
Começaram pelos pacientes mais distantes a mim.
Estava quase dormindo, quando vi
que Ro berto se aproximou novamente de
mim, portando toda a parafernália para me assear.
Estava muito sonolento.
Ele me segurou colocando um
braço nas minhas pernas, na altura do joelho e com o outro segurava minhas
costas, na altura do meu pescoço.
Achei estranho essa atitude.
Pensei: O que esse cara esta
fazendo?
Ele me conduziu para um canto
escuro, onde estava Cláudio, o enfermeiro negro.
- Vamos brincar de trenzinho. Eu
fico atrás de você. Você fica atrás do Cláudio. – ele disse.
Fiquei assustado com essa ideia.
Pensei: O que é isso, agora? O que
é eu faço? Espera ai. Tenho que ficar calmo. Tenho que ser educado, mas firme.
Senti um calafrio na espinha
Disse calmamente, mas ríspido:
- Eu não gosto disso. Eu não
quero. Por favor. Pare.
- Você vai gostar... – respondeu
ele.
- Não! Por favor. Eu não quero.
Não gosto disso, já disse.
- É só um pouquinho.
- Não! Eu não quero. Por favor. Estou
com sonda. Estou me sentindo mal. Isso só
vai me prejudicar. Por favor.
- É verdade. - disse Cláudio. –
Melhor não mexer com ele.
- Vamos nós dois? – propôs Cláudio para o Ro berto.
- Vamos chamar mais gente para a
festinha.
E saíram da UTI alegres,
carregando a toalha de banho e lençóis que haviam trocado da minha cama.
Pensei: Ufa! Que alivio! Agora
acho que posso dormir sossegado.
Dormi.
Quando acordei já era hora da
visitação. Vi entrar várias pessoas. No final da turma, apareceu minha esposa e
minha filha. Fiquei contente.
Mostrei o vermelhão no braço.
- Puxa pai, o que é isso? –
perguntou Michelle assustada.
- Nossa, Gê, o que fizeram com
você? – falou Cris, com ar de preocupação.
Tentei explicar como aconteceu,
usando mimica. Apontei para uma enfermeira. Minha mulher perguntou:
- Foi ela?
Mexi negativamente com a cabeça.
- Então... Quem foi?
Apontei outra enfermeira. Minha
mulher novamente perguntou::
- Foi essa?
Mexi negativamente com a cabeça.
Michelle então falou:
- Foi uma enfermeira, não é,
pai?
Respondi afirmativamente com a
cabeça.
- Qual delas? – perguntou
Michelle.
Puxei os olhos com os dedos para
imitar os olhos de um oriental.
- Foi uma japonesa? – perguntou
minha mulher.
- Onde ela está? – perguntou
Michelle, inquieta e procurando com movimentos de cabeça onde ela estaria.
Mexi com os ombros para cima e
para baixo, como se respondesse não sei.
Girei os dedos indicadores um
sobre o outro para dizer que foi em outro lugar.
- Como assim, pai, que outro
lugar? – perguntou Michelle. – Você não saiu daqui.
Suspirei. Mexi a cabeça
negativamente e pensei: Elas não estão entendo nada.
Eu tinha certeza que fora o
garrote que a enfermeira oriental da faculdade de medicina da USP tinha
colocado em meu braço que causou isso.
Estava ficando impaciente, pois
elas não entendiam o que eu queria dizer, pois não podia falar em razão da
traqueostomia. Eu bem que tentava, mas a voz não saia.
Fiz tentativas para lessem meus
lábios, mas poucas eram as palavras que conseguia comunicar.
A minha mulher pegou uma caneta
e um bloco de papel , que ela deixara anteriormente, para que eu escrevesse o
que queria dizer.
Tentei escrever. Mas, eu só escrevia garranchos, que elas não
entendiam. Estava com as mãos tremulas, que eu procurava disfarçar. Não tinha força
muscular nas mãos, ocasionando uma falta de coordenação motora. Por mais que tentasse
escrever legível, ninguém entendia minha letra.
Não sei se foi idéia da minha
filha Michele ou da minha esposa Cristina, mas elas montaram uma tabela com
todas as letras do alfabeto, para que eu apontasse as letra por letra, formando
palavras. Essa seria a forma de me comunicar.
Usei a tabela alfabética para
compor as frases para facilitar o entendimento.
Apontei para as letras da tabela
alfabética: U...S...P
- USP? - perguntou Cris.
Respondi afirmativamente com o
dedão em riste.
- Gê, o que é que tem na USP?
Com mão fechada e com o
indicador em riste, apontei para mim.
- Você...
Respondi com o dedo com um sinal
de positivo.
Girei a mão e apontei para a
tabela, confirmando o local.
- Pai, você quer dizer que foi
na USP? – disse Michelle.
- Não, Gê, você não está na USP.
Você está no hospital Alvorada em Moema. – disse Cris.
Respondi negativamente com a
cabeça e apontei novamente para a tabela.
- Não, Gê, você não está na USP.
Você está em Moema.
Pensei: Eu sei que estou na USP,
caramba. Que mania elas tem de me contrariar. Eu sei onde eu estou. Eu vim para
cá andando.
- Foi o garrote. – falei sem
voz, olhando para ela entender o que dizia.
- Gê, não entendi. Você não
consegue falar.
Apontei para as letras da tabela
alfabética: G...A...R...R...O..T..E
- Garrote. pai? – perguntou
Michelle.
Respondi afirmativamente com a cabeça.
- Pai, que garrote é esse?
Cris, mais preocupada com a
vermelhidão do meu braço, disse que fora causada pelo derrame de sangue
interno, causado pelo cateter que estava em meu braço.
Eu não aceitei. E continuei insistindo
que fora o garrote que me colocaram na faculdade de medicina da USP.
Apontei para o braço.
- Pai, você está querendo dizer
que uma enfermeira colocou um garrote em seu braço?
Respondi afirmativamente com a
cabeça.
- Não, pai foi o cateter. A
mamãe já disse.
- Garrote. – tentava falar.
- Está bem, pai, foi o garrote.
- Prego. – disse sem voz.
- Prego? Que prego, pai?
- Prego no garrote.
- Pai, você quer dizer que uma
enfermeira colocou um garrote com prego no seu braço?
- É
- Não Gê, é o cateter.
- Mãe, se ele está dizendo que
foi, foi. Não discute, com ele, mãe. – disse Michele.
Pisquei para ela, agradecendo
por ela entender e concordar comigo.
- Está certo. Foi o garrote –
concordou Cris. – Vamos então tratar.
Minha mulher disse que iria dar
um jeito para melhorar a vermelhidão. Passaria hirudoid, uma pomada apropriada para isso.
Foi em direção a bancada dos enfermeiros e pediu para uma enfermeira arrumar a pomada. A
enfermeira prontamente atendeu. Foi até
a farmácia da UTI e trouxe uma bisnaga de hirudoid.
Como sentia uma dor no dedo
indicador da mão direita, mostrei o dedo para minha mulher. Ela ficou assustada
e disse:
- Gê, o que fizeram com seu dedo?
Está muito roxo e inchado. Isso é um absurdo!
Bati com o outro dedo no dedo
machucado indicando que eles furavam o dedo para realizar o teste de glicemia.
- Não, Gê não deixa eles furarem
esse dedo. Dá outro dedo.
Confirmei com a cabeça. Mas, quando os enfermeiros vinham colher sangue eu não estava acordado. Como poderia impedir?
- Como é possível eles não verem
isso. Eles tem obrigação de mudar de dedo. –disse Cris
indignada. – Vou falar com a enfermeira já. Eles não podem fazer
isso com você. Isso é um absurdo.
Ela chamou uma enfermeira,
mostrou o meu dedo e reclamou brava. A enfermeira disse que iria avisar para mudarem
de dedo.
Depois, minha mulher ficou
espalhando a pomada em meu braço e no meu dedo, fazendo uma massagem gostosa.
- Gê, deixa eu te contar. O doutor Paulo está
providenciando uma válvula para você poder falar. Ele esta tentando junto ao hospital. Mas aqui tudo é demorado.
Apontei para as letras da tabela
alfabética: Q...U...A...N...D...O
-Quando?- ela perguntou.
Movi a cabeça, afirmativamente.
- Não sei. Depende do hospital ter
boa vontade de comprar. Sabe como é aqui.
Apontei novamente para as letras
da tabela: A...G...I...T...A
- Gê, fica calmo. O doutor Paulo
está fazendo o que pode para o aparelho vir o quanto antes.
continua no próximo capitulo
continua no próximo capitulo
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