terça-feira, 8 de julho de 2014

Uma experiencia bio desagradavel - capitulo XXV

Capitulo XXV – Retorno à UTI

À noite, apareceu Roberto, o enfermeiro amigo do Flávio.
Pensei: Esse cara está em todo lugar. Ele e os outros trabalham em vários hospitais. Onde arrumam tanto tempo para isso?
Roberto aproximou-se de mim.
Achei estranho, pois ele não era o enfermeiro que estava escalado para cuidar de mim naquela noite.
Ele começou a manipular os frascos de plástico com remédios.
Observei que esses frascos faziam parte da cortina. Ficavam na parte superior e seguravam a parte de baixo. Cada frasco continha um tipo de medicação.
Pensei: Puxa não havia reparado nisso antes. Que prático. O frasco serve tanto para armazenar o remédio e ao mesmo tempo serve para segurar a cortina. Bem bolado.  
Eu não queria mais ser sedado. Minha mulher sempre reclamava que eles me sedavam justamente na hora das visitas e eu não conseguia ficar acordado para vê-la.
Percebi que Roberto aumentara a dosagem de sedativo. Tentei falar para ele não fazer isso, pois depois eu ficava com muito sono. Ele contestou dizendo que seguia a prescrição médica. Contra argumentei dizendo que o Dr. Paulo Renato havia solicitado à enfermagem para diminuir minha sedação. Ele disse que de noite não valia, pois eu tinha que ser sedado para relaxar e dormir.
Pensei: Esse cara é chato. Quer me sedar mesmo. Qual a finalidade dele me sedar?
Começou a sessão de banho na UTI. Começaram pelos pacientes mais distantes a mim.
Estava quase dormindo, quando vi que Roberto se aproximou novamente de mim, portando toda a parafernália para me assear.
Estava muito sonolento.
Ele me segurou colocando um braço nas minhas pernas, na altura do joelho e com o outro segurava minhas costas, na altura do meu pescoço.
Achei estranho essa atitude.
Pensei: O que esse cara esta fazendo?
Ele me conduziu para um canto escuro, onde estava Cláudio, o enfermeiro negro.

- Vamos brincar de trenzinho. Eu fico atrás de você. Você fica atrás do Cláudio. – ele disse.
Fiquei assustado com essa ideia.
Pensei: O que é isso, agora? O que é eu faço? Espera ai. Tenho que ficar calmo. Tenho que ser educado, mas firme.
Senti um calafrio na espinha
Disse calmamente, mas ríspido:
- Eu não gosto disso. Eu não quero. Por favor. Pare.
- Você vai gostar... – respondeu ele.
- Não! Por favor. Eu não quero. Não gosto disso, já disse.
- É só um pouquinho.
- Não! Eu não quero. Por favor. Estou com sonda. Estou me sentindo mal.  Isso só vai me prejudicar. Por favor.
- É verdade. - disse Cláudio. – Melhor não mexer com ele.
 - Vamos nós dois? – propôs Cláudio para o Roberto.
Roberto aceitou e me colocou novamente no berço. Agarrou Cláudio pela cintura e disse:
- Vamos chamar mais gente para a festinha.
E saíram da UTI alegres, carregando a toalha de banho e lençóis que haviam trocado da minha cama.
Pensei: Ufa! Que alivio! Agora acho que posso dormir sossegado.
Dormi.
Quando acordei já era hora da visitação. Vi entrar várias pessoas. No final da turma, apareceu minha esposa e minha filha. Fiquei contente.
Mostrei o vermelhão no braço.
- Puxa pai, o que é isso? – perguntou Michelle assustada.
- Nossa, Gê, o que fizeram com você? – falou Cris, com ar de preocupação.
Tentei explicar como aconteceu, usando mimica. Apontei para uma enfermeira. Minha mulher perguntou:
- Foi ela?
Mexi negativamente com a cabeça.
- Então... Quem foi?
Apontei outra enfermeira. Minha mulher novamente perguntou::
- Foi essa?
Mexi negativamente com a cabeça.
Michelle então falou:
- Foi uma enfermeira, não é, pai?
Respondi afirmativamente com a cabeça.
- Qual delas? – perguntou Michelle.
Puxei os olhos com os dedos para imitar os olhos de um oriental.
- Foi uma japonesa? – perguntou minha mulher.
- Onde ela está? – perguntou Michelle, inquieta e procurando com movimentos de cabeça onde ela estaria.
Mexi com os ombros para cima e para baixo, como se respondesse não sei.
Girei os dedos indicadores um sobre o outro para dizer que foi em outro lugar.
- Como assim, pai, que outro lugar? – perguntou Michelle. – Você não saiu daqui.
Suspirei. Mexi a cabeça negativamente e pensei: Elas não estão entendo nada.
Eu tinha certeza que fora o garrote que a enfermeira oriental da faculdade de medicina da USP tinha colocado em meu braço que causou isso.
Estava ficando impaciente, pois elas não entendiam o que eu queria dizer, pois não podia falar em razão da traqueostomia. Eu bem que tentava, mas a voz não saia.
Fiz tentativas para lessem meus lábios, mas poucas eram as palavras que conseguia comunicar.
A minha mulher pegou uma caneta e um bloco de papel , que ela deixara anteriormente, para que eu escrevesse o que queria dizer.
Tentei escrever.  Mas, eu só escrevia garranchos, que elas não entendiam. Estava com as mãos tremulas, que eu procurava disfarçar. Não tinha força muscular nas mãos, ocasionando uma falta de coordenação motora. Por mais que tentasse escrever legível, ninguém entendia minha letra.
Não sei se foi idéia da minha filha Michele ou da minha esposa Cristina, mas elas montaram uma tabela com todas as letras do alfabeto, para que eu apontasse as letra por letra, formando palavras. Essa seria a forma de me comunicar.        
Usei a tabela alfabética para compor as frases para facilitar o entendimento.
Apontei para as letras da tabela alfabética: U...S...P
- USP? - perguntou Cris.
Respondi afirmativamente com o dedão em riste.
- Gê, o que é que tem na USP?
Com mão fechada e com o indicador em riste, apontei para mim.
- Você...
Respondi com o dedo com um sinal de positivo.
Girei a mão e apontei para a tabela, confirmando o local.
- Pai, você quer dizer que foi na USP? – disse Michelle.
- Não, Gê, você não está na USP. Você está no hospital Alvorada em Moema. – disse Cris.
Respondi negativamente com a cabeça e apontei novamente para a tabela.
- Não, Gê, você não está na USP. Você está em Moema.
Pensei: Eu sei que estou na USP, caramba. Que mania elas tem de me contrariar. Eu sei onde eu estou. Eu vim para cá andando.
- Foi o garrote. – falei sem voz, olhando para ela entender o que dizia.
- Gê, não entendi. Você não consegue falar.
Apontei para as letras da tabela alfabética: G...A...R...R...O..T..E
- Garrote. pai? – perguntou Michelle.
Respondi afirmativamente com a cabeça.
- Pai, que garrote é esse?
Cris, mais preocupada com a vermelhidão do meu braço, disse que fora causada pelo derrame de sangue interno, causado pelo cateter que estava em meu braço.
Eu não aceitei. E continuei insistindo que fora o garrote que me colocaram na faculdade de medicina da USP.
Apontei para o braço.
- Pai, você está querendo dizer que uma enfermeira colocou um garrote em seu braço?
Respondi afirmativamente com a cabeça.
- Não, pai foi o cateter. A mamãe já disse.
- Garrote. – tentava falar.
- Está bem, pai, foi o garrote.
- Prego. – disse sem voz.
- Prego? Que prego, pai?
- Prego no garrote.
- Pai, você quer dizer que uma enfermeira colocou um garrote com prego no seu braço?
- É
- Não Gê, é o cateter.
- Mãe, se ele está dizendo que foi, foi. Não discute, com ele, mãe. – disse Michele.
Pisquei para ela, agradecendo por ela entender e concordar comigo.
- Está certo. Foi o garrote – concordou Cris. – Vamos então tratar.
Minha mulher disse que iria dar um jeito para melhorar a vermelhidão. Passaria hirudoid, uma pomada apropriada para isso.
 Foi em direção a bancada dos enfermeiros e pediu para uma enfermeira arrumar a pomada. A enfermeira prontamente atendeu. Foi  até a farmácia da UTI e trouxe uma bisnaga de hirudoid.
Como sentia uma dor no dedo indicador da mão direita, mostrei o dedo para minha mulher. Ela ficou assustada e disse:
- Gê, o que fizeram com seu dedo? Está muito roxo e inchado. Isso é um absurdo!
Bati com o outro dedo no dedo machucado indicando que eles furavam o dedo para realizar o teste de glicemia.
- Não, Gê não deixa eles furarem esse dedo. Dá outro dedo.
Confirmei com a cabeça. Mas, quando os enfermeiros vinham colher sangue eu não estava acordado. Como poderia impedir?
- Como é possível eles não verem isso. Eles tem obrigação de mudar de dedo. –disse Cris indignada. – Vou falar com a enfermeira já. Eles não podem fazer isso com você. Isso é um absurdo.
Ela chamou uma enfermeira, mostrou o meu dedo e reclamou brava. A enfermeira disse que iria avisar para mudarem de dedo.
Depois, minha mulher ficou espalhando a pomada em meu braço e no meu dedo, fazendo uma massagem gostosa.
- Gê, deixa eu te contar. O doutor Paulo está providenciando uma válvula para você poder falar. Ele esta tentando junto ao hospital. Mas aqui tudo é demorado.
Apontei para as letras da tabela alfabética: Q...U...A...N...D...O
-Quando?- ela perguntou.
Movi a cabeça, afirmativamente.
- Não sei. Depende do hospital ter boa vontade de comprar. Sabe como é aqui.
Apontei novamente para as letras da tabela: A...G...I...T...A
- Gê, fica calmo. O doutor Paulo está fazendo o que pode para o aparelho vir o quanto antes.

                                      continua no próximo capitulo

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