Capitulo XXIX – A saída definitiva
da UTI
Naquela noite sonhei que estava
numa praia.
Era um lugar conhecido. Achei
que era o Guarujá. Mas estava diferente.
Eu dirigia um carro por uma
estrada na parte alta de uma montanha, que beirava a costa do mar.
Vi uma placa indicando acesso para
uma praia.
Parei o carro no acostamento e
desci. Fui caminhando ate um local onde era possível ver a paisagem lá embaixo.
Observei que havia baias e
enseadas, que nunca observara antes.
Resolvi caminhar por uma trilha
na montanha que acessava uma dessas baias.
Entrei no mar. Fui caminhando pelo
mar, que era raso, até a outra borda. A água ficava na altura do meu joelho.
Estava um sol forte. Fazia muito
calor.
Voltei para o carro. Entrei nele
e percebei que estava diferente.
Tinha dificuldade em dirigir.
Segui por uma estrada e vi uma
estação de embarque para uma balsa.
A balsa ligava aquele local, que
era uma ilha, ao continente. Dava para ver o outro lado. Parecia um canal. A
distancia era curta. O mar estava tranquilo. Entrei na balsa a pé e
imediatamente estava do outro lado.
Na outra margem, quando desci,
entrei num outro carro.
Segui dirigindo por algumas ruas
estreitas, que me pareceram ser a cidade de Santos, na parte velha.
De repente estava na estrada
Anchieta que liga São Paulo a Santos.
Subi a serra. Chegando ao
planalto resolvi voltar. Fiz o retorno em uma praça de manobras. Desci a serra
novamente. Tinha muita curva.
Chegando a Santos, resolvi fazer
a travessia até Guarujá, por barco. A distancia parecia maior.
Entrei em um barco de popa. O
mar estava muito agitado. As ondas estavam muito altas e quando quebravam no
barco e espalhavam espuma pelo ar.
Fiquei com medo que o barco
afundasse e eu morresse afogado.
Chegando ao porto do Guarujá, subi
pelo píer. Era uma passarela de madeira.
Vi um veleiro ancorado próximo
ao porto. Resolvi ir ate ele. Voando.
Dei um salto, abri os braços,
como se fosse uma asa, estiquei as pernas para trás e comecei a voar.
Essa técnica de voar eu já tenho
há muito tempo. Às vezes preciso subir em uma escada e saltar. Desta vez não
foi preciso. Havia um pouco de vento e isso me ajudou.
Voei até o veleiro. Circulei em
torno do veleiro, mas um marinheiro disse que não poderia entrar.
Como precisava me impulsionar,
novamente, para o voo, utilizei o vento que vinha em minha direção para planar.
Fui levado até uma praia e pousei em pé, na areia.
Comecei a caminhar. Procurava
por minha mulher, mas não a encontrava.
A praia estava com muita gente.
Entrei no mar, que estava
agitado e com correnteza. A correnteza me levou para distante de onde estava.
Sai do mar e na areia caminhei
até um prédio na orla. Entrei.
La dentro havia uma agitação de
pessoas andando de um lado para o outro, havia garçons carregando comida.
Escutava muito barulho de pratos batendo um contra o outro.
Acordei.
Vi que alguns enfermeiros estavam
iniciando a higienização. Outros serviam comida para alguns pacientes.
- E o meu café da manhã? -
perguntei a uma enfermeira que estava próxima de mim.
- Não tem café da manhã para o
senhor.
- Como não?
- O senhor não pode.
- Posso sim. A médica me liberou
ontem à noite.
- Não estou sabendo. O senhor
tem certeza?
- Sim. Claro que tenho.
- Eu não estou sabendo.
Fiquei aborrecido com o fato de não me incluírem entre os pacientes que receberiam refeição.
- Não é possível! Faz o
seguinte. Por favor. Você poderia chamar a enfermeira chefe? Ela deve saber.
Por favor, chame ela. – disse
Ela aquiesceu e saiu em direção a sala da enfermeira chefe. Depois de um tempo voltou acompanhada pela enfermeira chefe de plantão.
- Então, senhor José, tudo bem
com o senhor?
- Sim.
- Ela me contou - disse apontando para a enfermeira - que o senhor disse que já está liberado para comer.
- Sim, é verdade.
- Que bom, não é? Deixa eu dar uma olhada em seu prontuário.
Ela pegou uma prancheta que
ficava na cabeceira da cama e olhou.
- Olha, senhor José, o senhor
está liberado, sim. Mas, para comida pastosa.
- Pastosa. Liquida. Para mim o
que vier está ótimo. Comida é tudo a mesma coisa,
- Não, não é. O senhor está
liberado apenas para comida pastosa.
- E suco? Posso beber? Quero um
suco de laranja.
- Não. O senhor não pode beber
suco. Se o senhor beber liquido pode engasgar.
- Eu engulo saliva e não
engasgo. Quer ver?
E engoli a saliva.
- Eu sei, mas é diferente. Vou
ver o que encontro para o senhor. A cozinha não mandou nada.
- Estou morrendo de fome.
- Calma. Eu vou ver e já volto.
- Enquanto isso, posso beber
água?
- Pode. Mas, só um copo. Devagar
para não engasgar.
A enfermeira chefe virou-se para
a auxiliar de enfermagem e disse:
- Por favor, pegue um copo de
água para o senhor José.
A enfermeira chefe saiu. Depois
de algum tempo voltou trazendo um mingau. Colocou com em uma bandeja de cama e
pôs sobre minhas pernas. Experimentei. Achei o gosto horrível.
- E ai, senhor José, está bom?
- Não! Não gostei. – disse fazendo careta de repugnância.
- Tome. Está gostoso.
- Não! Não quero.
- Senhor José, o senhor só pode
tomar mingau, que é pastoso. Tome. Está gostoso.
- Deixa eu dizer uma coisa para
você. – disse irritado. - Eu não estou
mais em idade de tomar mingau. Isso eu tomava quando era bebe. Eu não vou tomar
essa porcaria. Pode tirar daqui. Está horrível.
- Senhor José, o senhor não pode
comer qualquer coisa. O senhor está em recuperação.
- Eu quero uma fruta. Não posso
comer uma fruta? Uma banana..uma banana amassada. É pastosa. Uma maçã raspada. Mamão papaia batido. Sei
lá. É pastoso. Qualquer coisa. Mingau... eu não tomo. Está muito ruim.
- Está bem, senhor José, vou ver
se acho uma fruta para o senhor.
Ela novamente saiu e algum tempo
depois voltou trazendo duas porções de mamão papaia cortado em pedaços
pequenos, embaladas em uma caixinha de plástico para viagem.
- Senhor José. – disse ela. - Coma
bem devagar. Mastigue muito bem antes de engolir. Engula um pouquinho de cada
vez. Sem pressa.
- Está bem.
Peguei uma colher e comecei a
comer o mamão. Como estava maduro, derretia na minha boca. Comi tudo com muito
prazer.
Pensei: Que delicia!
- Quero mais. – pedi.
- Olha, senhor José, acabou. Na
hora do almoço o senhor come mais.
- Eu acho que estou com
hipoglicemia. Estou um pouco tonto. Preciso comer mais.
- Senhor José – disse a Dr.a
Kátia intervindo – se o senhor estiver com hipoglicemia eu vou ter que mandar
aplicar uma injeção de glicose no senhor.
- Não! Não precisa. Um pouco
mais de mamão basta. Só mais uma porção.
- Enfermeira, faça o destro
agora, no senhor José, por favor.
- Destro? O que é isso. –
perguntei.
- É teste de glicemia. – respondeu
ela.
- Então faz o canhoto. –
brinquei dando a mão esquerda para que ela colhesse sangue de meu dedo.
A enfermeira fez o teste e
mostrou o resultado para a Dra. Kátia. Eu estava com o nível de glicose em
oitenta e quatro.
- Olha, senhor José, o senhor
não está com hipoglicemia, não. Está é com manha.
Aquele final de semana passou
tranquilo.
Na segunda feira estava ansioso
para sair.
Aguardava a chegada da Dra. Kátia para me liberar.
Um pouco antes
disso, apareceu uma enfermeira toda sorridente, um tanto espantada, disse para
mim:
- O senhor por aqui?
- Sim.
- Como eu estou contente em ver
o senhor tão bem. O senhor não vai acreditar, mas é verdade. Quando sai de
férias, há quinze dias atrás, o senhor estava tão mal. Tão mal. Eu achei que o
senhor não sobreviveria. Verdade. O senhor estava mal mesmo Que bom em ver o
senhor tão bem. Puxa vida, que alegria. Estou tão feliz!
Ela, realmente, demonstrava estar
feliz por me ver.
Pensei: De que essa doida está
falando? Nunca fiquei mal. Mal, assim a ponto de quase morrer. Estava só me
recuperando. Ela é doida. Ou deve estar me confundindo com outra pessoa. Sei lá.
O fato é que ninguém havia me
contado, até então, que eu passara pelo que eu passei. Eu não sabia de nada. Para
mim, eu estava internado na UTI sem entender exatamente o por que. Ora achava
que era em razão da demora da minha convalescência. Ora achava que era porque a
Dra. Kátia ganhava uma porcentagem do custo da minha permanência na UTI. Estava
confuso sobre as razões. Mas, nunca achei que estivesse mal.
Finalmente, a Dra. Kátia chegou.
Imediatamente perguntei sobre a
minha saída. Ela respondeu que ainda não era a hora, pois ela queria ter
certeza de que não havia mais problemas em meu pulmão.
Disse que solicitara um ultrasom
do meu pulmão e que somente após o resultado ela decidiria.
Passou o dia inteiro, mas nada
de aparecer o ultrasom.
Chegou a noite.
Dra. Kátia estava saindo para ir
embora, quando perguntei:
- Doutora Kátia. Oi doutora
Kátia.
Ela parou sua caminhada, virou-se
para mim e disse:
- Sim, o que é?
- Então, doutora Kátia... eu não ia
embora hoje?
- Hoje não.
- Como assim?
- Eu já falei para o senhor que enquanto
eu não tiver o resultado do seu ultrasom, o senhor não sai. O senhor vai ter
que esperar mais um pouquinho... Tenha paciência, senhor José. O senhor já
esperou tanto.
- Quero sair logo.
- Eu sei. Todo mundo quer. Tenha calma.
- Mas, por que a demora?
- Eu não sei. Não sei o
que aconteceu para que eles não tenham vindo até agora.
- Mas, eles não tinham que vir?Então?
- O senhor viu quantas vezes eu pedi para eles virem. Devem estar cheios de serviço. Aguarde até amanhã. Tenha
calma. Boa noite.
Ela virou-se e foi-se embora.
Fiquei transtornado. Contava com a saída da UTI
naquele dia.
Chamei a enfermeira várias vezes durante a noite para cobrar a
vinda da equipe que realizaria o exame do ultrasom no meu pulmão. A resposta
era sempre: daqui a pouco eles vem.
Finalmente, às três horas da
manhã, apareceu uma médica com o aparelho.
Estava cochilando. Com a
movimentação acordei.
Ela perguntou se queria fazer o exame naquele momento. Respondi que sim. Que a aguardava ansioso há muito tempo.
Ela, então realizou os exames.
Ao final perguntei:
- E então? Está tudo bem?
- Sim, tem um pouco de água no
pulmão, mas nada grave. Dá para o senhor sair.
- Que bom! Por favor, passe o relatório
assim que a senhora puder, pois estou dependendo disso para sair da UTI.
- Pode deixar. Eu tenho alguns
exames ainda hoje para fazer, mas logo cedo o relatório estará aqui para seu médico
avaliar.
- Muito obrigado, doutora.
Após ela sair, pedi para um
auxiliar de enfermagem chamar a enfermeira chefe, pois precisa falar com ela
urgentemente.
Pensei: Eu tenho que tomar uma
atitude. Preciso acabar com essa embromação.
A enfermeira nem bem chegou e
fui falando com voz baixa, pois não tinha forças para falar com a voz alta e firme, como gostaria.:
- Deixa eu falar uma coisa para você...
- Primeiro boa noite, senhor José. – disse
ela, interrompendo minha fala , com educação. - O senhor quer falar comigo?
- Quero sim. Ah! Boa noite para
você também.
- Pode falar. O que é que
aconteceu?
– Não aconteceu nada. Ou melhor,
aconteceu, sim. É o seguinte. Eu estou aqui na UTI há muitos dias... Você sabe
disso.
- É verdade.
- Então, não vejo a hora de sair
daqui.
- Todo mundo que esta aqui quer
sair. – disse ela sorrindo.
- Eu sei. Eu sei. Mas, comigo é diferente.
A doutora Kátia me prometeu na semana passada que eu sairia daqui ontem. Ela
prometeu. E eu não sai... Entendeu?
Ela respondeu com um movimento
de cabeça, concordando.
- Isso me deixou frustrado.
Confesso. Eu não sei lidar com frustração. Eu me conheço bem... Ela disse que
aguardava um exame que acabei de fazer. A médica fez o exame em mim agora há
pouco. Ela disse que está tudo certo. Não tem mais desculpas. Quero sair daqui
amanhã. Não importa a hora que for. Quero sair daqui amanhã.
- Não é bem assim, senhor José.
- É sim. Eu me conheço. Já
disse. Eu não sei lidar com frustração. Você me acompanha desde o inicio. Viu o
que eu passei. Estou bem agora.
- O senhor está bem.
- Eu sei. Você sabe disso. Acontece
que se eu não sair amanhã eu vou piorar... Eu me conheço.
- Não é assim, senhor José.
- É sim.
- Senhor José as coisas seguem
um protocolo. Se o senhor puder, o senhor sai. Se não, o senhor vai ter que aguardar
mais uns dias. O senhor precisa ficar totalmente bom para ir embora.
- Eu estou bem. Você é que não
está entendo. Presta atenção. Eu estou afirmando para você que se eu não sair
daqui amanhã, eu vou piorar. Eu preciso sair. Toda essa minha recuperação foi
em função da meta que eu tinha de eu sair daqui ontem. A doutora Kátia me prometeu
uma data. A data era ontem. Ela não cumpriu.
- Não foi culpa dela... O senhor
viu o quanto demorou para vir o ultrasom.
- Olha, eu não quero saber de
culpa. Não estou falando de culpa. Não quero buscar culpado. A questão é a
seguinte. Ou eu saio daqui amanhã ou entro em depressão...Não depende de mim. Fala
isso para ela. Eu me conheço. Você está falando com uma pessoa que sabe das
coisas, que se conhece. Fala para a doutora Kátia que eu tenho que sair daqui amanhã, de
qualquer jeito. Ela prometeu. Ela que cumpra. Eu fiz a lição de casa certinha,
como ela mandou. Agora quero sair.
A enfermeira disse que falaria
no dia seguinte com a Dra. Kátia.
Percebi que ela ficou
impressionada com o meu argumento.
No dia seguinte, às oito da
manhã, eu estava acordado, aguardando a chegada da Dra. Kátia.
Vi quando ela entrou na sala da
UTI. Ela nem me olhou, foi direto para seu lugar. Deu uma lida em alguns
papéis. Em seguida disse para os enfermeiros que a rodeavam:
- Quero que o senhor José saia
da UTI hoje. Liga para a menina da reserva de quartos. Peça para arrumar um
quarto para o senhor José. Ele sai daqui hoje.
Pensei: Não acredito. Finalmente
vou sair daqui. Acho que valeu aquela apertada que dei na enfermeira, durante a
madrugada.
Enquanto a Dra. Kátia lia o
relatório do exame de ultrasom e outros de sangue, que foram colhidos também na
madrugada, começou a movimentação para a minha saída, que acabou só acontecendo
no final da tarde.
Um pouco antes de sair, chamei a Dra. Kátia, entreguei-lhe
uma caixa de chocolate fechada. Dei-lhe um beijo na mão e disse:
- Muito obrigado. Desculpa
qualquer coisa que tenha feito errado.
- Não tem nada errado, senhor
José.
- Agradeço muito à senhora. Minha vida foi
salva graças a seu esforço e dedicação comigo, aqui na UTI. Muito obrigado,
mesmo.
- Não tem nada que agradecer. É
nossa obrigação. Se tiver que agradecer, agradeça o trabalho de toda a nossa equipe.
- A equipe que a senhora lidera.
A senhora é a chefe daqui. Fico muito grato a todos, mesmo. Agradeço a todos,
através da senhora. Muitíssimo obrigado. Vocês foram maravilhosos, muito pacientes
comigo.
- Agradeça seu médico, doutor
Paulo. Ele lutou muito por você, viu. De vez em quando a gente tinha até umas
briguinhas aqui, por sua causa. Ele defendeu muito você aqui.
- Eu sei disso. Não tenho nem
palavras para agradecer o doutor Paulo. É um amigão. Nunca mais vou esquece-lo.
Ao chegar ao quarto estava
radiante. A minha saída da UTI foi uma vitória.
Dormi aquela noite, satisfeito.
continua no próximo capitulo
Link para o ultimo capitulo https://resenhadoze.blogspot.com.br/2014/07/uma-experiencia-bio-desagradavel-ultimo.html
Orientação de como voce pode acessar os demais capítulos.
Se voce estiver num computador, do lado direito tem Pesquisar este blog. Escreva: Uma experiencia bio desagradável capitulo II. Clica no botão PESQUISAR. Ele fara o acesso direto a esse capitulo. Depois, estando no Capitulo II, preencha: Uma experiencia bio desagradável capitulo capitulo III. E assim sucessivamente, colocando sempre o capitulo em algarismo romano ate o capitulo XXIX. O Ultimo, que é o XXX você deve colocar na busca: Uma experiencia bio desagradável - Ultimo capitulo.
continua no próximo capitulo
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