Minha paixão pela aviação vem desde criança.
Sempre quis ser piloto de avião.
Entretanto, minha mãe se opunha ferozmente.
Seu irmão caçula, que era militar da aeronáutica, morreu aos
vinte anos de idade, em um lamentável desastre aéreo.
Esse trauma familiar me impediu de ingressar na aviação.
O tempo passou, até que, finalmente, tive condições de
adquirir um ultraleve da Microleve.
Com dez horas de treino já estava habilitado a voar solo.
Meu furor para desvendar os céus era tanto que voava todo
sábado e domingo.
Mas, quase vi encerrar-se minhas aventuras, quando sofri
a primeira pane.
Sobrevoava uma pista abandonada, de terra batida, que fora
construída na década de 70/80 pelo frigorifico Eder, em Itapecerica da Serra.
De repente, o motor perde potência.
Fiquei apavorado.
Não havia feito adequadamente o treinamento para pouso de
emergência.
Minha primeira reação foi tentar manter a aeronave
voando.
Como a velocidade cruzeiro desse aparelho é baixa, por
volta de 60 km por hora, qualquer redução de velocidade leva ao estol.
Foi o que aconteceu.
Em poucos segundos estava caindo sobre a pista.
Como estava voando só e a asa tinha uma boa área aerodinâmica,
o estol foi suave.
Nos últimos segundos tentei corrigir a atitude de voo, movimentando
o manche para frente, pensando em ganhar um pouco de velocidade e conseguir
fazer um pouso, mas era tarde.
O avião caiu no solo.
Rapidamente toquei-me para me examinar e verificar se não
havia algum ferimento.
Estava tudo em ordem.
Desci da aeronave.
Um pouco assustado e chateado com a situação, percebi que
o trem de aterrisagem estava com uma das rodas tortas.
Fui caminhando até uma escola próxima e consegui falar
por telefone com meus amigos do São Paulo Ultraleve Clube, o SPUC, solicitando
socorro.
O SPUC ficava às margens da represa Guarapiranga.
Tinha uma boa infraestrutura.
Havia uma longa pista em grama, hangares e uma equipe de mecânicos
que faziam a manutenção periódica dos diversos ultraleves que lá ficavam.
Em pouco minutos chegou uma frota de ultraleves para meu
resgate.
O mecânico verificou que o filtro de ar estava encharcado
de gasolina, que impedia a combustão por falta de ar.
Daquele dia em diante me submeti a um intensivo
treinamento para pouso sem motor.
Um dos ensinamentos é voar sempre procurando um local
para pouso.
Como o ultraleve precisa de pista curta era fácil identificar
um local para pouso.
Estava bem treinado.
Foi quando um domingo, minha mulher Cristina, que voou
poucas vezes comigo, sentindo confiança, naquele dia resolveu me acompanhar.
Voamos por toda a represa Guarapiranga, sobrevoando as
margens em voos rasantes.
Como ainda havia combustível suficiente, resolvi voar até
uma pista na represa Billings.
Como o trajeto era distante, decidi subir a uma altitude
mais segura.
Quando sobrevoava a Billings, o motor perdeu potência.
Minha reação foi imediata.
Decidi fazer um pouso de emergência.
Lembrei que havia sobrevoado uma área às margens da
Billings, que havia elegido como local para um eventual pouso.
Como estava com altitude suficiente para planeio, não
tive problemas para voar até o local eleito.
Para voar de ultraleve usava-se um capacete.
O meu capacete e do passageiro estavam ligados para
comunicação.
Falei para Cristina:
- May day! May day!
Ela não entendeu e riu, acreditando que brincava.
Para continuar no clima de descontração, disse:
- Houston, we have a
problem.
Ela, um pouco preocupada, perguntou o que acontecia.
Afinal, tinha feito uma manobra de retorno.
Falei que estávamos com problemas no motor.
Ela perguntou se conseguiríamos voar até o SPUC.
Respondi que não.
Disse que teríamos que fazer um pouso de emergência ali
mesmo.
Ela procurou me acalmar, dizendo que eu sabia o que fazer
e que estava treinado.
Ao chegar ao local, fiz dois círculos sobre o terreno para
perder altitude e, finalmente, fiz o pouso dentro das normas.
Olhei para ela e rimos de tanta tensão.
Descemos.
Pensei.
Escapamos de morrer.
Foi quando comecei a tremer de nervoso.
Lembrei-me que meus filhos eram pequenos e poderiam ter
ficado órfãos.
Abracei minha mulher emocionado.
Ela disse que fiz um pouso tranquilo.
Concordei e acrescentei que, felizmente, não estávamos machucados
e que não havia nenhum dano na aeronave.
Ainda desorientado, perguntei:
- E agora? O que faremos no meio do mato?
De repente, surgem muitas crianças e depois alguns
adultos, vindo de diversas direções, correndo em nossa direção.
Chegando próximo elas pararam, afastadas um pouco do
ultraleve.
Nos olhavam assustados.
Minha mulher comentou comigo, em voz baixa:
- Acho que eles pensam que somos extra terrestres.
Rimos.
Perguntei onde havia um telefone.
Um deles me levou até um bar próximo, enquanto outros
levavam minha mulher para tomar agua na casa de um dos moradores, enquanto
outros se prontificaram a tomar conta do ultraleve.
Novamente solicitei resgate do SPUC.
Depois de algum tempo chegaram para meu alivio.
Esse fato serviu como uma grande lição.
Sem treinamento teria morrido.
Sobrevivemos a essa experiência porque estava bem
treinado.
Minhas reações não exigiram pensar no que fazer.
Foram automáticas.
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