Capitulo XI – A morte ronda a
UTI
Acordei escutando um casal
conversando.
Estavam à minha esquerda, dentro
do quartinho da UTI. Ele estava deitado, convalescendo de uma cirurgia. Ela
sentada em uma cadeira, a seu lado.
Não estava prestando atenção na
conversa, mas afinei o ouvido para ouvir melhor, por curiosidade.
Foi quando ouvi ele dizendo que não tinha dinheiro, nem plano
de saúde e não sabia como iria pagar a conta do hospital.
Ela disse que era para ele não se
preocupar, para ficar traquilo, pois precisava se recuperar. Isso era o mais
importante naquele momento. Depois dariam um jeito. Concluiu dizendo que, afinal,
eles tinham economizado nesses anos todos um dinheirinho e que agora serviria
para custear as despesas.
Ele, então, disse que gastara
todo esse dinheiro que haviam guardado.
Ela reagiu com espanto e perguntou,
aflita, no que ele havia gastado o dinheiro acumulado, sem que ela soubesse.
Ele pediu calma e a compreensão
dela.
Ela exigiu uma explicação.
Ele confessou que havia gasto em
boates e em casas de prostituição.
Ela murmurou algo que não
entendi.
Pensei: Mas que é que esse cara
está fazendo? Aqui não é confessionário. Esse cara é louco? Aqui não é o
momento de fazer confissão. Cala a boca, imbecil.
Ele continuou, dizendo que freqüentava esses lugares junto com os filhos
mais velhos, que eram da sua primeira ex-mulher.
- Não acredito que você tenha
feito isso – disse ela esbaforida.
Ele voltou a pedir calma. Disse que contaria tudo. Falou que enquanto
ela pensava que ele estava trabalhando, eles iam para as boates para se
divertir com mulheres em orgias regadas a bebidas e gastavam muito dinheiro.
Enquanto ele contava, ela
repetia:
- Não! Não! Não!
Ele, embalado, continuava
falando das noitadas com mulheres. Disse que gostava do ambiente de putaria.
Ela continuava repetindo:
- Não! Não! Não!
Ele voltou a pedir calma. Disse
que não ia negar o que havia acontecido.
- Aconteceu, vou fazer o que?
Afinal, eu me sentia bem...- disse
A mulher calou-se e percebi que
ela ficou irritada.
Ele concluiu dizendo que estava
arrependido e pediu o perdão dela.
Pensei: Ela vai mandar matar
esse cara.
Eles continuaram conversando,
mas eu já não ouvia mais a conversa.
Apareceu dois enfermeiros na
porta do quartinho.
Ela se levantou e foi ate eles.
Ela falou reservadamente com
eles, com voz baixa, impossibilitando que ouvisse o que falavam.
Vi quando ela fez um sim com a
cabeça.
Os dois entrando no quartinho,
mas ela ficou do lado de fora.
Fecharam a porta e mataram o
homem sufocando-o com um travesseiro. Terminado a execução, saíram e falaram
para ela:
- Serviço completo.
Ela ficou um pouco espantada,
sem saber o que fazer. Um deles sugeriu que ela pedisse uma indenização para o
hospital, pois ele morrera lá dentro. Falou para ela se mostrar muito triste.
Ela disse que estava com um ódio tão grande do ex-marido que não conseguia
chorar. O enfermeiro insistiu para ela chorar, para criar um clima de tristeza.
Ela pegou um lenço e começou a chorar, baixinho.
Passado um tempo, apareceu a
Dra. Kátia. Dirigindo-se a mulher foi logo perguntando:
- E então? O seu marido estava
se recuperando tão bem... Fiquei sabendo que ele faleceu há pouco.
- Pois é doutora, morreu... Não
sei do que. - disse a senhora chorando muito.
- Que tristeza! Perder o marido....
- Sabe, doutora, eu não tenho
como pagar o hospital. E ele acabou falecendo aqui. É culpa do hospital, não é?
- Não. Não é bem assim. Morreu
aqui como podia morrer em qualquer lugar.
Casualmente , ele estava aqui. Olha, vou ver o que posso
fazer. Passa aqui amanhã. Agora, vá para casa. Fique calma. Relaxe. Toma um
chazinho para se acalmar. Amanhã vamos ver o que podemos fazer. – disse a Dra.
Kátia
- Será que o hospital paga uma
indenização? Ele morreu aqui dentro.
- Olha, nós não pagamos
indenização, não.
- Me ajuda, doutora. Por favor.
Eu não tenho condições de pagar nada.
- Vá minha filha. Vá descansar.
Hoje aqui o negócio está bravo. Eu tenho muita coisa para fazer. Amanhã e a
gente conversa. Está bem? –completou a Dra. Kátia.
A agora viúva foi embora,
devagarzinho, chorando muito.
Pensei: Que farsante! Mandou
matar o marido e fica com essa farsa toda. Aqui todo mundo é falso.
- Reginaldo, fecha o quarto do paciente que
faleceu. Chama a policia para fazer um boletim de ocorrência. Faz isso para
mim, faz. – disse a Dra. Kátia.
- Doutora, faleceu também uma paciente que fez
uma cirurgia de redução do estomago e teve perfuração do intestino. Os pais da
moça estão lá no fundo, aguardando o médico. Eles querem uma explicação.
- Ih!Ih! Ih! Hoje o bicho pegou.
Mais um, é? Manda chamar o médico que operou para se entender com a família. O problema é dele. Pra mim, chega. – disse a
Dra. Kátia.
Os pais da moça eram idosos. Estavam
sentados à minha direita, junto à parede que encerra a sala da UTI. Havia uma pequena
distancia entre nós, mas o suficiente para eu escutar o que falavam.
Eles choravam muito. Ficavam se
perguntando entre si do por que a filha inventou de fazer a cirurgia. Repetiam que ela
estava tão bem. Que era uma moça tão bonita. Com um futuro pela frente. E que, quem
sabe, por barbeiragem do médico, ela veio a falecer.
O médico que operou a moça
apareceu na UTI.
Falou baixinho para os pais da
moça que não tinha culpa do que acontecera, que esse tipo de cirurgia é de alto
risco mesmo, que a paciente sabia disso e mesmo assim quis fazer a cirurgia.
Disse que ele lamentava o ocorrido, que fez tudo que estava a seu alcance para
salva-la, mas ela não resistiu.
A mãe ao ouvir isso ficou
possessa.
Levantou-se, foi em direção ao
médico, com as duas mãos fechadas, como se fosse socá-lo. Mas, ficou
gesticulando socos no ar. O marido a segurou. Voltou-se para o médico e
perguntou o que aconteceria agora.
O médico disse que da parte dele
não podia fazer mais nada. O maximo que
ele poderia fazer era, excepcionalmente, não cobrar os honorários dele pela
cirurgia, como uma demonstração de solidariedade. Mas, quanto as despesas com o
hospital ele nada poderia fazer.
O pai retrucou que queria uma
indenização. Afinal ela era uma moça com um futuro pela frente. Começou pedindo
um valor baixo.
Nisso apareceu um enfermeiro. Disse
que poderia intermediar a conversa com a diretoria do hospital, mas que queria
uma comissão por isso.
O pai concordou:
- É justo.
E aproveitou para aumentar um
pouco mais a pedida.
Enquanto o enfermeiro e o casal
conversavam, discutindo valores, o médico se retirou sorrateiramente, calado, sem
chamar a atenção.
O enfermeiro perguntou se eles
tinham casa própria. O casal respondeu que não. O enfermeiro sugeriu, então,
que eles pleiteassem uma casa própria. O casal gostou da idéia e concordou. Fechado
o acordo, ele se prontificou a ir conversar com a diretoria do hospital e saiu
da UTI.
Pensei: Os pais estavam tão
tristes e revoltados até agora.... Foi só falar em indenização e mudou o humor.
Que comércio! Agora todo mundo quer indenização. É bom que o hospital tenha um
seguro, senão está fo-di-do.
Após algum tempo o enfermeiro
retornou, junto com um advogado do hospital.
- Pois então, os senhores são os progenitores
da falecida? –perguntou o advogado do hospital, com muita simpatia.
- Sim, doutor...Infelizmente –
respondeu a mãe chorando.
- Pois é, doutor, aconteceu o
que não queríamos. – disse o pai.
- Nossa filha veio a falecer
aqui... Aqui....Por erro do hospital.... Foi aqui que ela morreu.... – disse a
mãe soluçando.
- Amávamos muito a nossa filha. –
disse o pai consternado.
- Lamento muito...Acontece. Basta
estar vivo para se morrer, não é verdade? – respondeu o advogado.
- É verdade...mas foi culpa do
hospital... Isso foi. – disse a mãe.
- Veja bem, aconteceu aqui. Mas
o hospital não tem culpa. Toda a equipe medica fez de tudo que estava a seu
alcance para evitar o pior. Mas, aconteceu. Foi uma fatalidade. – disse o
advogado.
- Mas, foi aqui que ela morreu!...
Culpa do hospital. – disse a mãe.
- Sim, claro, morreu aqui. Mas,
a principio o hospital não tem culpa. Volto a repetir, foi uma fatalidade. Agora,
o que faremos será apurar as responsabilidades. E se houver algum culpado, ai
veremos o que vai acontecer.
- Mas, e ai, doutor, como
ficamos nessa situação? Vamos ficar esperando... esperando...ate quando? –
perguntou o pai.
- Realmente, isso leva um tempo.
A investigação é demorada.
- Mas, o senhor não pode fazer
nada...agora?
- Sim, mas o que posso fazer por
vocês?
- Sabe doutor, o hospital podia
dar uma casa para a gente... como indenização. Sabe foi culpa do hospital pela morte
prematura de nossa querida filha....Foi culpa do hospital.
- Nem pensar. Isso nós não
estamos autorizados a fazer. O máximo que podemos fazer é custear o funeral.
- Mas, doutor, é direito nosso...Fomos
vitimas de um erro do hospital.
- Volto a repetir. Não foi culpa
do hospital. Foi uma fatalidade.
- Mas, doutor, a gente vai ficar
coma as mãos abanando?
- Administrativamente é o que
posso fazer.... Se quiserem ir via judicial, fiquem a vontade.
- Doutor, via judicial o senhor
sabe que é demorado. Quando ganharmos já estaremos mortos.
- É verdade... A Justiça é mesmo
muito lenta neste pais. Lamento. Mas, só posso ajudar no funeral.
E ficaram naquela conversa que eu
já sabia que não ia dar em nada.
Voltei a dormir.
continua no próximo capitulo
continua no próximo capitulo
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