terça-feira, 24 de junho de 2014

Uma experiencia bio desagradavel - capitulo XI

Capitulo XI – A morte ronda a UTI

Acordei escutando um casal conversando.
Estavam à minha esquerda, dentro do quartinho da UTI. Ele estava deitado, convalescendo de uma cirurgia. Ela sentada em uma cadeira, a seu lado.
Não estava prestando atenção na conversa, mas afinei o ouvido para ouvir melhor, por curiosidade.
Foi quando ouvi  ele dizendo que não tinha dinheiro, nem plano de saúde e não sabia como iria pagar a conta do hospital.
Ela disse que era para ele não se preocupar, para ficar traquilo, pois precisava se recuperar. Isso era o mais importante naquele momento. Depois dariam um jeito. Concluiu dizendo que, afinal, eles tinham economizado nesses anos todos um dinheirinho e que agora serviria para custear as despesas.
Ele, então, disse que gastara todo esse dinheiro que haviam guardado.
Ela reagiu com espanto e perguntou, aflita, no que ele havia gastado o dinheiro acumulado, sem que ela soubesse.
Ele pediu calma e a compreensão dela.
Ela exigiu uma explicação.
Ele confessou que havia gasto em boates e em casas de prostituição.
Ela murmurou algo que não entendi.
Pensei: Mas que é que esse cara está fazendo? Aqui não é confessionário. Esse cara é louco? Aqui não é o momento de fazer confissão. Cala a boca, imbecil.
Ele continuou, dizendo que  freqüentava esses lugares junto com os filhos mais velhos, que eram da sua primeira ex-mulher.
- Não acredito que você tenha feito isso – disse ela esbaforida.
Ele voltou a pedir calma.  Disse que contaria tudo. Falou que enquanto ela pensava que ele estava trabalhando, eles iam para as boates para se divertir com mulheres em orgias regadas a bebidas e gastavam muito dinheiro.
Enquanto ele contava, ela repetia:
- Não! Não! Não!
Ele, embalado, continuava falando das noitadas com mulheres. Disse que gostava do ambiente de putaria.
Ela  continuava repetindo:
- Não! Não! Não!
Ele voltou a pedir calma. Disse que não ia negar o que havia acontecido.
- Aconteceu, vou fazer o que? Afinal, eu me sentia bem...- disse
A mulher calou-se e percebi que ela ficou irritada.
Ele concluiu dizendo que estava arrependido e pediu o perdão dela.
Pensei: Ela vai mandar matar esse cara.
Eles continuaram conversando, mas eu já não ouvia mais a conversa.
Apareceu dois enfermeiros na porta do quartinho.
Ela se levantou e foi ate eles.
Ela falou reservadamente com eles, com voz baixa, impossibilitando que ouvisse o que falavam.
Vi quando ela fez um sim com a cabeça.
Os dois entrando no quartinho, mas ela ficou do lado de fora.
Fecharam a porta e mataram o homem sufocando-o com um travesseiro. Terminado a execução, saíram e falaram para ela:
- Serviço completo.
Ela ficou um pouco espantada, sem saber o que fazer. Um deles sugeriu que ela pedisse uma indenização para o hospital, pois ele morrera lá dentro. Falou para ela se mostrar muito triste. Ela disse que estava com um ódio tão grande do ex-marido que não conseguia chorar. O enfermeiro insistiu para ela chorar, para criar um clima de tristeza. Ela pegou um lenço e começou a chorar, baixinho.
Passado um tempo, apareceu a Dra. Kátia. Dirigindo-se a mulher foi logo perguntando:
- E então? O seu marido estava se recuperando tão bem... Fiquei sabendo que ele faleceu há pouco.
- Pois é doutora, morreu... Não sei do que. - disse a senhora chorando muito.
- Que tristeza! Perder o marido....
- Sabe, doutora, eu não tenho como pagar o hospital. E ele acabou falecendo aqui. É culpa do hospital, não é?
- Não. Não é bem assim. Morreu aqui como podia morrer em qualquer lugar. Casualmente, ele estava aqui. Olha, vou ver o que posso fazer. Passa aqui amanhã. Agora, vá para casa. Fique calma. Relaxe. Toma um chazinho para se acalmar. Amanhã vamos ver o que podemos fazer. – disse a Dra. Kátia
- Será que o hospital paga uma indenização? Ele morreu aqui dentro.
- Olha, nós não pagamos indenização, não.
- Me ajuda, doutora. Por favor. Eu não tenho condições de pagar nada.
- Vá minha filha. Vá descansar. Hoje aqui o negócio está bravo. Eu tenho muita coisa para fazer. Amanhã e a gente conversa. Está bem? –completou a Dra. Kátia.
A agora viúva foi embora, devagarzinho, chorando muito.
Pensei: Que farsante! Mandou matar o marido e fica com essa farsa toda. Aqui todo mundo é falso.
 - Reginaldo, fecha o quarto do paciente que faleceu. Chama a policia para fazer um boletim de ocorrência. Faz isso para mim, faz. – disse a Dra. Kátia.
 - Doutora, faleceu também uma paciente que fez uma cirurgia de redução do estomago e teve perfuração do intestino. Os pais da moça estão lá no fundo, aguardando o médico. Eles querem uma explicação.
- Ih!Ih! Ih! Hoje o bicho pegou. Mais um, é? Manda chamar o médico que operou para se entender com a família.  O problema é dele. Pra mim, chega. – disse a Dra. Kátia.
Os pais da moça eram idosos. Estavam sentados à minha direita, junto à parede que encerra a sala da UTI. Havia uma pequena distancia entre nós, mas o suficiente para eu escutar o que falavam.
Eles choravam muito. Ficavam se perguntando entre si do por que a filha inventou de fazer a cirurgia. Repetiam que ela estava tão bem. Que era uma moça tão bonita. Com um futuro pela frente. E que, quem sabe, por barbeiragem do médico, ela veio a falecer.
O médico que operou a moça apareceu na UTI.
Falou baixinho para os pais da moça que não tinha culpa do que acontecera, que esse tipo de cirurgia é de alto risco mesmo, que a paciente sabia disso e mesmo assim quis fazer a cirurgia. Disse que ele lamentava o ocorrido, que fez tudo que estava a seu alcance para salva-la, mas ela não resistiu.
A mãe ao ouvir isso ficou possessa.
Levantou-se, foi em direção ao médico, com as duas mãos fechadas, como se fosse socá-lo. Mas, ficou gesticulando socos no ar. O marido a segurou. Voltou-se para o médico e perguntou o que aconteceria agora.
O médico disse que da parte dele não podia fazer mais nada. O  maximo que ele poderia fazer era, excepcionalmente, não cobrar os honorários dele pela cirurgia, como uma demonstração de solidariedade. Mas, quanto as despesas com o hospital ele nada poderia fazer.
O pai retrucou que queria uma indenização. Afinal ela era uma moça com um futuro pela frente. Começou pedindo um valor baixo.
Nisso apareceu um enfermeiro. Disse que poderia intermediar a conversa com a diretoria do hospital, mas que queria uma comissão por isso.
O pai concordou:
- É justo.
E aproveitou para aumentar um pouco mais a pedida.
Enquanto o enfermeiro e o casal conversavam, discutindo valores, o médico se retirou sorrateiramente, calado, sem chamar a atenção.
O enfermeiro perguntou se eles tinham casa própria. O casal respondeu que não. O enfermeiro sugeriu, então, que eles pleiteassem uma casa própria. O casal gostou da idéia e concordou. Fechado o acordo, ele se prontificou a ir conversar com a diretoria do hospital e saiu da UTI.
Pensei: Os pais estavam tão tristes e revoltados até agora.... Foi só falar em indenização e mudou o humor. Que comércio! Agora todo mundo quer indenização. É bom que o hospital tenha um seguro, senão está fo-di-do.
Após algum tempo o enfermeiro retornou, junto com um advogado do hospital.
 - Pois então, os senhores são os progenitores da falecida? –perguntou o advogado do hospital, com muita simpatia.
- Sim, doutor...Infelizmente – respondeu a mãe chorando.
- Pois é, doutor, aconteceu o que não queríamos. – disse o pai.
- Nossa filha veio a falecer aqui... Aqui....Por erro do hospital.... Foi aqui que ela morreu.... – disse a mãe soluçando.
- Amávamos muito a nossa filha. – disse o pai consternado.
- Lamento muito...Acontece. Basta estar vivo para se morrer, não é verdade? – respondeu o advogado.
- É verdade...mas foi culpa do hospital... Isso foi. – disse a mãe.
- Veja bem, aconteceu aqui. Mas o hospital não tem culpa. Toda a equipe medica fez de tudo que estava a seu alcance para evitar o pior. Mas, aconteceu. Foi uma fatalidade. – disse o advogado.
- Mas, foi aqui que ela morreu!... Culpa do hospital. – disse a mãe.
- Sim, claro, morreu aqui. Mas, a principio o hospital não tem culpa. Volto a repetir, foi uma fatalidade. Agora, o que faremos será apurar as responsabilidades. E se houver algum culpado, ai veremos o que vai acontecer.
- Mas, e ai, doutor, como ficamos nessa situação? Vamos ficar esperando... esperando...ate quando? – perguntou o pai.
- Realmente, isso leva um tempo. A investigação é demorada.
- Mas, o senhor não pode fazer nada...agora?
- Sim, mas o que posso fazer por vocês?
- Sabe doutor, o hospital podia dar uma casa para a gente... como indenização. Sabe foi culpa do hospital pela morte prematura de nossa querida filha....Foi culpa do hospital.
- Nem pensar. Isso nós não estamos autorizados a fazer. O máximo que podemos fazer é custear o funeral.
- Mas, doutor, é direito nosso...Fomos vitimas de um erro do hospital.
- Volto a repetir. Não foi culpa do hospital. Foi uma fatalidade.
- Mas, doutor, a gente vai ficar coma as mãos abanando?
- Administrativamente é o que posso fazer.... Se quiserem ir via judicial, fiquem a vontade.
- Doutor, via judicial o senhor sabe que é demorado. Quando ganharmos já estaremos mortos.
- É verdade... A Justiça é mesmo muito lenta neste pais. Lamento. Mas, só posso ajudar no funeral.
E ficaram naquela conversa que eu já sabia que não ia dar em nada.
Voltei a dormir.

                                      continua no próximo capitulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é bem vindo!
Agradeço sua participação.