Capitulo IV – Os primeiros momentos dentro da UTI
O ESPAÇO
FÍSICO DA UTI
A UTI era uma sala grande,
retangular. Em um dos lados maior do retângulo estava a parede na qual estava
encostada a cabeceira da minha cama. A maior parte das camas, dessa sala,
ficava na mesma posição. Do meu lado esquerdo, acho que havia duas camas. Do
lado direito, não sei ao certo, mas havia bem mais camas do que do meu lado esquerdo.
Talvez umas seis ou sete camas.
No lado do retângulo
perpendicular à parede na qual a cabeceira da minha cama estava encostada,
localizada à minha direita, havia, também, camas que estavam com a cabeceira
encostada nessa parede.
Na parede oposta à parede, na
qual minha cama estava encostada, havia duas aberturas.
Uma dessas aberturas era
localizada bem em frente a minha cama, um pouco mais para o lado direito. Na
realidade essa abertura acessava um corredor, ligando a sala de UTI, na qual eu
estava, com outra sala de UTI. Esse corredor era longo, pois havia acesso para
dois elevadores, localizados no lado direito do corredor.
A outra abertura era mais larga,
formando outra sala. Ficava encostada à parede que fechava o retângulo do meu
lado direito.
Unindo a minha sala a essa sala,
em planta, era como se fosse uma enorme sala em L.
No lado do retângulo
perpendicular à parede na qual a cabeceira da minha cama estava encostada,
localizada à minha esquerda, havia um quarto, que chamavam de quarto da UTI ou
algo assim. Na parede que dividia esse quarto com a UTI, havia uma porta de
acesso. Do lado direito dessa porta, havia um armário com quatro portas, tanto em
cima como em baixo. Nesse
armário eram guardados roupas de cama, tolhas e outras necessidades da UTI.
Mais à direita desse armário
havia outro armário, em alvenaria, que nascia dessa parede, em ângulo reto,
vindo em minha direção, e terminando no alinhamento, à esquerda,da abertura na
parede oposta, onde estava o corredor de acesso aos elevadores.
Ainda nessa parede, entre o armário
em alvenaria e a parede oposta à minha cabeceira, havia uma abertura onde
ficava a entrada principal da UTI.
O acesso interno à entrada da
UTI era através de um corredor formado pela parede oposta à minha cabeceira e pelo
armário em alvenaria.
Nesse armário, havia uma
abertura retangular. Na base da abertura havia uma mesa. Nessa mesa, localizada
em frente à minha cama, um pouco mais para o lado esquerdo, ficava sentada a
médica chefe da UTI, de costas para mim.
Na sequencia do corredor de
acesso à entrada da UTI, do meu lado direito, havia outro corredor, formado pela
parede oposta à minha cabeceira e por uma bancada, que servia de apoio para a
enfermagem. Essa bancada começava no alinhamento, à direita,da abertura na
parede oposta, onde estava o corredor de acesso aos elevadores e terminava no
alinhamento, à esquerda, da abertura que formava a sala, pé do L.
Havia acesso à bancada pelas
duas extremidades desse corredor. Os enfermeiros trabalhavam na área do
corredor.
Entre as camas havia uma cortina
divisória, apoiada em trilhos no teto, nos dois lados e na frente. As cortinas
laterais ficavam o tempo todo fechadas, vedando os vizinhos. A da frente ficava
o tempo todo aberta. Só era fechada quando era feita a higiene intima e quando
se tomava banho.
A cortina era constituída na
parte de cima por uma espécie de renda grossa, que parecia tubos de plástico,
com uns cinqüenta centímetros, no máximo. Acho que servia para circulação de
ar. O restante da cortina, na cor bege, era espessa e parecia ser pesada. Terminava
rente ao chão.
Sobre a minha cama havia uma
luminária de luz fria que ficava o tempo todo acessa. Só era apagada à noite.
Havia também um bocal de saída do ar condicionado.
Junto a minha cama, do lado
direito ficavam os aparelhos de monitoramento e um suporte metálico próprio
para pendurar as garrafas plásticas com soro e com meu alimento, que recebia
por sonda gástrica.
Dos dois lados da cama havia um
criado mudo. O do lado esquerdo era para minhas coisas pessoais. O do lado
direito servia de apoio para medicamentos. Em frente a minha cama havia uma
televisão que estava sobre um rack que pendia do teto.
A VIDA
NA UTI
Estava um pouco confuso, em função dos medicamentos que estava tomando.
Por outro lado, fora me retirado quase 2/3 do fígado, algo como quase 1 kg . Assim, o que restou do
fígado estava com suas funções prejudicadas, contribuindo também para esse
estado de confusão mental.
Havia momentos que vivia a
realidade e momentos que vivia as minhas alucinações. Para piorar, os
personagens dessas alucinações eram os mesmos da realidade. Isso impossibilitava
que distinguisse o que era real do que era fantasia. E essa situação de mescla,
tornou-se a minha realidade, que ficou na minha memória.
Eu não sabia exatamente quanto
tempo estava ali. Também não sabia se era dia ou era noite. Pelas minhas contas
tinham se passado uns 3 dias. Nesse dia, resolvi perguntar para alguém quanto
tempo se passara.
Vi um médico de origem nipônica,
com meia idade, próximo ao meu leito. Ele estava confortavelmente sentado na
cadeira do médico responsável pela UTI. Não estava só. Sentada no balcão da
mesa, uma enfermeira conversava entretidamente com ele. Ela era a mais bonita
de todas e era uma das enfermeiras chefe.
Tentei perguntar várias vezes
para ele quanto tempo estava ali. Tinha dificuldades em falar, pois estava entubado
e deitado em uma cama, amarrado.
Pensei: Amarrado? Porque isso?
Ele falava baixinho, com muita
sutileza, com a enfermeira. Estilo blasé. Dizia que estava em final de
carreira, contava uns casos, sorria muito. Percebi que ele estava mais
interessado em seu papel de conquistador.
Senti-me frustrado porque ele
não me atendia e fiquei revoltado com a situação, pois ele estava ali para
cuidar dos pacientes e não para resolver seus casos amorosos.
Apareceu, então, um auxiliar de
enfermagem que cuidava de mim, que me aplicava os medicamentos. Era de meia
estatura, moreno, com jeito muito delicado. Não era de risos, mas era
simpático.
Pensei: Que bom! Finalmente
alguém para me dar atenção.
Resolvi, então, perguntar a ele,
com muita dificuldade quanto tempo estava lá, porque demorava em ir para o apartamento
e porque estava amarrado.
Ele me respondeu que eu estava
me recuperando bem e que logo iria para o apartamento. Falou que era para não
me preocupar. Que estava tudo bem.
Perguntei novamente por que me
amarravam. Estava me sentindo um prisioneiro.
Ele me informou que era
necessário, pois como estava com vários aparelhos ligados no meu corpo, eu
poderia, sem querer, me mexer e desligar alguma coisa.
Voltou a pedir que ficasse calmo
e a falar que não era para me preocupar. Que estava tudo bem.
Não gostei das respostas. Não gosto que me
digam para não me preocupar. Quando alguém me diz isso, entendo o contrário.
Que realmente há algo para se preocupar. E fiquei preocupado.
Pensei: Que tanta coisa era essa
que estava ligado a mim? Da outra vez, não teve nada disso. No dia seguinte fui
para o apartamento. O que é que está acontecendo?
Após o auxiliar de enfermagem
sair da minha área de visão, apareceu uma outra auxiliar de enfermagem, que se
aproximou de meu leito, com uma expressão estranha, mas tranquila.
Dizia que tinha um segredo, mas
que não podia revelá-lo.
Depois, de muita insistência da
minha parte, com promessas de guardar só para mim esse segredo, ela,
finalmente, resolveu me contar a verdade.
Pensei: Que verdade será essa?
Para que tanto mistério?
Ela começou dizendo que aquele
enfermeiro era muito dedicado a mim, que estava comigo desde quando cheguei à
UTI. Mas, que ele tinha interesse em me manter na UTI. E concluiu dizendo que
ele me dopava muito para que eu dormisse mais tempo e prolongasse minha
permanência ali.
Quis saber da razão desse
comportamento.
Ela não respondeu. Encerrou a
conversa dizendo que não poderia falar mais nada. Que falara demais.
E foi-se embora.
Não gostei dessa informação.
Pensei: Que é que está acontecendo?
Foi então, que apareceu um outro
médico. Era um médico mais velho. Alto e magro.
Chamei-o.
Ele veio conversar comigo.
Contei-lhe do relato da
enfermeira.
O médico mostrou-se preocupado.
Disse que iria tomar providencias e resolver a situação. Mas, alertou-me que
antes precisava conversar com a medica responsável pela unidade. Disse que eu
deveria ir o mais rápido possível para o apartamento, pois eu parecia estar
muito bem.
Fiquei tranqüilo.
Pensei: Finalmente, aquele drama
de ficar na UTI por muito tempo vai acabar.
A médica responsável pela
unidade trabalhava de segunda a sexta feira, durante o dia, iniciando a 8 horas
da manhã e ficava até umas 18 horas. À noite e final de semana eram outros
médicos que faziam o plantão.
Como a luz da UTI diminuiu,
percebi que era noite. Mas, fiquei acordado, aguardando ansioso para amanhecer
e resolver minha saída da UTI, com a chegada da médica responsável.
Apesar da divisão entre leitos
haver uma cortina, que ficava o tempo todo fechada, naquele dia, estranhamente,
as minhas cortinas laterais estavam abertas ou translucidas. Eu conseguia ver
os meus vizinhos de cada lado!
Foi quando percebi que havia
dois enfermeiros conversando e olhando um paciente, na cama que estava no meu
lado direito. Falavam algo que não eu entendia, mas me causou curiosidade. Não me
parecia que falavam coisas boas sobre o paciente. Resolvi prestar atenção.
Um era negro, cabelo cortado
careca, não muito alto, um pouco gordo. Vi no crachá dele que se chamava
Claudio.
O outro branco tinha um
semblante sisudo, cabelo não muito curto, ondulado. Apesar de ser muito forte e
musculoso, tinha movimentos suaves. Não consegui ler o nome dele.
De repente, vi-os tentarem
sufocar, com travesseiros, o paciente, que era idoso.
Fiquei atônico.
Pensei: Como é possível eles
matarem um paciente?
Não sabia o que fazer. Fiquei
apavorado.
Olhei para frente e vi que havia
outros enfermeiros junto ao balcão, conversando. A televisão estava ligada. De
vez em quando um deles olhava para ela. A situação para eles, parecia
tranqüila.
Quis chamar a atenção deles,
mexendo a cabeça. Fitava-os firmemente, chamando-os com os olhos, mas nenhum
olhou em minha direção.
Fiquei nervoso, pois nenhum
deles percebia o que se passava no leito ao meu lado.
Olhei novamente para os
enfermeiros assassinos e um deles fez um sinal colocando o dedo indicador na
boca, sinalizando para eu não falar nada. Mandou-me ficar quieto, gesticulando
com mão direita, para cima e para baixo.
Resolvi, então, fechar os olhos
e fingir que estava dormindo. Mas, não os fechei totalmente. Podia ver o que
estava acontecendo.
Vi meu vizinho se debater e
espernear até sucumbir.
Ao perceber que o paciente
estava desfalecido, os dois assassinos se olharam e deram um sorriso de
vitória. Missão cumprida.
Com uma postura cínica,
mostravam-se tristes pelo falecimento do paciente. O enfermeiro branco e mais
forte, com a maior desfaçatez comentou com o outro, em voz baixa:
- É... Infelizmente o paciente
estava muito ruim...
E o enfermeiro negro, de nome
Claudio, completou:
- Coitado... Não resistiu.
- É a vida! – retrucou o branco.
Como os outros enfermeiros nada
perceberam, pois continuavam entretidos conversando, os dois assassinos
deixaram o paciente do meu lado direito, passaram por mim, olharam para mim, olharam
um para o outro, como confirmando que eu estava dormindo, e seguiram para o
leito do meu lado esquerdo.
Eu os acompanhava atentamente,
com os olhos quase cerrados. Com uma pequena brecha pude vê-los iniciarem outra
sessão de tortura e morte.
Meu coração disparou novamente.
Fiquei mais assustado ainda, pois temia que pudesse também fazer parte da lista
dos que eles iriam matar naquele dia.
Resolvi, então, tomar uma
atitude. Olhava, rapidamente, de um lado para outro, uma vez olhava eles e noutra
os auxiliares de enfermagem, que continuavam conversando. Fazia sinais com a
mão para chamar-lhes a atenção e tentar evitar mais um assassinato. Estava desesperado
e temia que algum deles percebesse minha ação.
Foi quando o enfermeiro branco e
mais forte percebeu minha movimentação. Olhou para mim. Vi em seu semblante era
de ódio. Mostrou uma tesoura, que empunhava em sua mão esquerda, e disse,
sussurrando, para que ninguém mais ouvisse:
- Você será o próximo!
Fiquei apavorado. Deitado
naquela cama, sem poder correr e fugir, só me restou gritar:
- Socorro! Socorro!
Os dois enfermeiros assassinos
ficaram parados onde estavam, como se nada houvesse acontecido.
Olharam um para o outro, como se
indagando o que deviam fazer. O enfermeiro branco sussurrou para o negro:
- Esse cara tinha que estragar
tudo.
Acenderam-se todas a luzes da
UTI. Apareceram várias pessoas, que entraram rapidamente na sala da UTI. Entre
elas havia um que disse ser o diretor do Hospital. Olhou para mim, sério, e
perguntou:
- O que é que esta acontecendo?
Disse, apontando para os dois
enfermeiros, que eles haviam matado meu vizinho do lado direito e que tentavam
matar o do lado esquerdo. E ainda, que me ameaçaram de morte.
O diretor, indignado com a
acusação, perguntou se eu tinha provas.
Disse:
- Claro. Olhem o paciente da
minha esquerda. Está morto.
Foram ver o paciente do meu lado
esquerdo. Ele respirava ofegante e... estava vivo!
O diretor, então falou:
- Não tem ninguém morto!
Fiquei sem jeito, mas feliz por
não terem conseguido matar meu vizinho.
Então falei:
- Veja a tesoura na mão do
enfermeiro. O branco.
O enfermeiro calmamente mostrou
a tesoura.
- Era com essa que ele queria me
matar. – disse.
O enfermeiro, em seguida,
levantou a outra mão e mostrou que tinha um rolo de bandagem e falou sorrindo:
- Estou só cortando a bandagem.
Não entendo o que ele está falando. É o meu serviço.
O diretor nervoso falou:
- Não admito que façam bagunça
na minha UTI.
Olhou para mim, com o semblante
fechado. Esbravejou:
- Você está aqui para se tratar.
Não fique levantando falsos testemunhos contra gente inocente.
Eu retruquei:
- Doutor, eu vi tudo. Não é
mentira minha. Por favor, tire esses dois da UTI. Ou me tire daqui. Eles vão me
matar.
Fez-se silencio.
- Por favor!- supliquei. - Eu
não quero mais eles aqui.
O diretor pensou um pouco e
pediu para os dois se retirar e que fossem conversar com ele, mais tarde.
Eles saíram, imediatamente, ambos me
olhando com ódio. Ouvi o branco murmurar:
- Você é um homem morto.
O diretor não percebeu o recado,
pois nesse momento estava conversando com os demais enfermeiros para saber o
que realmente havia acontecido. Mas, nenhum deles disse nada que confirmasse
minha versão.
Fiquei preocupado. Ganhara
inimigos e não consegui provar nada contra eles.
Pedi para perguntar aos
pacientes se houve ou não a tentativa de matá-los.
Um deles, o do lado direito
estava com a saúde debilitada. Ele até tentou, mas não conseguiu falar nada.
Apontava para os travesseiros, mas não dizia nada.
Foi quando um dos enfermeiros
viu alguns travesseiros a mais na cama dele. Estranhou a quantidade a mais de
travesseiros. Mostrou para o diretor, que mandou que fossem retirados.
O paciente do lado esquerdo era
um italiano de olho azul, com alguns dentes faltando, careca na parte superior
da cabeça e com cabelo branco e curto, nas laterais. Tinha estatura baixa, não era
muito gordo, parecia ser mais velho do que eu. Ele disse que estava dormindo e
nada vira.
O diretor, aparentando estar
calmo, virou-se para mim e disse:
- Fique tranqüilo. Você e os
demais pacientes que estão aqui precisam se recuperar. Para evitar novos
tumultos, vou tirar os dois enfermeiros, que você acusou, desta unidade.
Agradeci e fiquei mais
tranqüilo.
Voltei a dormir.
continua no próximo capitulo
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