Capitulo IX – A justiça sucumbe a corrupção
No dia seguinte, apareceu junto
com a procuradora um grupo de quatro procuradores, vestidos de terno e gravata,
junto com uma auxiliar vestida de enfermeira.
Chegaram movimentando tudo. Pegaram
as fichas de todos os pacientes para examinar a situação de cada um. A
procuradora sentou-se, leu a minha ficha e disse olhando para mim:
- Você está melhor! Estou lendo
aqui. Fique tranqüilo que você será removido.
O Flávio, naquele dia, estava comandando
a UTI, apesar de não ser noite.
Estava postado no balcão de
apoio dos enfermeiros. Com as duas mãos apoiadas no balcão dava ordens para
todo mundo. Parecia um dono de bar. Muito agitado.
A procuradora tentou falar com
ele, mas ele dizia que não podia conversar, pois tinha que comandar a UTI e
disse:
- Eu trabalho com vidas,
doutora. Não posso perder um minuto. É a vida dos meus pacientes.
Pensei: Que farsante! Ela só
esta fazendo tipo. Nem médico ele é.
Os procuradores vasculhavam
tudo. Reuniram uma série de documentos, que diziam que seriam apreendidos para
levarem.
Pensei: Finalmente agora eles
vão descobrir tudo.
O Flávio reagiu:
- Não pode! Não, não, não. Isso
é prontuário que trata da vida de cada paciente aqui. Se tirar daqui a coisa vai
ficar feia. Vai desorientar toda a enfermagem. Não pode levar, não! Tem
prescrição médica. Não pode levar. Depois ninguém se responsabiliza e sobra
para mim. Não vai levar, não.
Um dos procuradores falou para o
Flávio:
- Quero falar com o diretor
responsável pelo Hospital.
- O senhor vai ter que ir lá ao
oitavo andar.
- Mas, o senhor não é diretor?
- Doutor, é no oitavo andar –
falou Flávio com um ar de desdenho.
Os procuradores se reuniram e
designaram um deles, que foi para subir e falar com o diretor. Era um procurador mais velho.
Pensei: Esse tem mais
experiência e agora ele vai dar uma dura nessa turma.
Depois de algum tempo ele
desceu, chamou os outros e disse que todos deveriam subir para conversar com o
diretor, que tinha uma proposta interessante.
Pensei: Não é possível. Eles vão
comprar essa turma.
A procuradora disse que não iria subir, pois
precisava organizar algumas coisas. Os demais subiram e ela e a enfermeira
ficaram.
A enfermeira assistente da
procuradora ficava reclamando com o Flávio das condições de trabalho e salário
dos enfermeiros. Dizia que os enfermeiros ganhavam pouco. Ele não falava nada,
ia de um lado para outro, apressado e esbaforindo, se esquivando dela.
A procuradora saiu dizendo que
ia tomar um café e voltava logo.
O ambiente aos pouco foi
escurecendo. As luzes estavam com baixa intensidade.
Pensei: Será que ele vai fazer a
boate de novo?
Havia muitos enfermeiros
trabalhando. O ambiente estava agitado.
De repente, apareceu um rapaz
alto, magro, olhos azuis, tipo alemão, vestindo, impecavelmente, um terno
escuro. Com um celular na mão, mostrava para todos, que na tela do celular dele
havia um emblema da procuradoria federal. Dizia que era um procurador com
especialidade em enfermaria.
Pegou um avental branco no
armário e vestiu sobre o terno.
Pensei: Que cara jovem para ser
procurador! Deve ser estudioso. Pelo menos, tem cara.
Ele ficava andando de um lado
para o outro. Na mão direita vi que ela segurava uma seringa com a agulha
voltada para cima.
Ele agitava ainda mais o
ambiente. Queria ver tudo. Reclamava de tudo. Mandava limpar o chão, trocar os
pacientes que dizia que estavam com a fralda suja. Olhava os prontuários e
determinava que seguissem rigorosamente a dosagem dos medicamentos. Olhava os
refis de plástico pendurados em uma peça metálica apropriada para isso, que
ficava ao lado dos pacientes. Conferia se
o que constava no refil era o que estava prescrito. Reclamava muito. Ninguém
falava nada. Todos obedeciam.
Pensei: Esse vai botar ordem na
casa! Que experiência! E tão jovem.
Olhava baia por baia, cada
paciente. Conversava com todos eles.
Chegou a hora de uma enfermeira dar-me
um banho. Tirou-me o lençol, a fralda e o avental curto, tipo bata, amarrado
pelas costas, que usava.
O banho da UTI é uma lavagem qual
eles jogam água com sabão sobre todas as partes do corpo. Às vezes molhavam o
cabelo. Depois passam um pano molhado e finalmente enxugam. Era uma lavagem
refrescante, mas nada como um banho de ducha.
Algumas vezes, um enfermeiro
fazia a minha barba com um aparelho de barbear descartável. Nesse dia fizeram minha barba.
Como essa operação molhava a
cama, mas não o colchão que era revestido com plástico, os dois enfermeiros faziam
uma troca malabaristica de lençóis. Iniciava com um enfermeiro rolando o
paciente para o outro lado oposto da cama. Nesse lado, o outro enfermeiro ficava
segurando o paciente, colado a seu corpo. Enquanto isso, o primeiro enfermeiro retirava
o lençol molhado e substituía por um novo lençol limpo. Quando este lençol
estava colocado até a metade longitudinal da cama, o outro enfermeiro rolava o paciente para o
lado já substituído. Assim, terminavam de arrumar a cama.
Para concluir, colocavam uma
fralda limpa e uma nova bata. Estávamos limpos e higienizados.
Algumas vezes eles me calçavam uma meia. Minha
mulher, todos os dias, deixava um par de meias novas sobre o criado mudo e
levava embora a meia usada.
Quando eles não colocavam a
meia, minha mulher ao me visitar as colocava nos meus pés, para que eu não
sentisse frio. Ela ficava aborrecida e reclamava da displicência dos
enfermeiros para comigo. Mas, para mim era excesso de zelo dela.
Foi no momento de um banho que
estava sendo submetido, que o procurador enfermeiro entrou na minha baia.
- Meu nome é Ro berto. Muito prazer. Estou aqui para arrumar essa
bagunça toda que o senhor está vendo. – disse ele sério.
- Oi.
- E o senhor..., senhor José,
não é?. Tudo bem com o senhor? – perguntou-me.
- Sim, estou bem.
- E essa água não está fria para
o senhor?
Pensei: Não vou reclamar na
frente da enfermeira que a água está um pouco fria. Dá para agüentar.
- Está boa. – respondi.
Ele saiu da minha baia sem dizer
nada.
Voltou, em seguida, portando um
balde com água quente.
Misturou um pouco no balde que a
enfermeira utilizava para me lavar. Pegou desse balde e jogou um pouco de agua sobre
mim.
Perguntou:
- E agora?
- Está boa.
Ele misturou mais água quente. E
jogava em cima de mim, até que jogou um pouco do balde quente na minha parte
intima.
Eu reagi:
- Não! Para. Assim não. Está
muito quente. ...Queima.
- Você estava lavando o senhor
José com água fria. – disse Ro berto
sério para a enfermeira. - Não pode. Ele não reclamou, mas não pode dar banho
com água fria.
A enfermeira ficou calada.
- O senhor viu que tem
diferença, não é senhor José. Água fria é água fria. Água quente é água quente.
O senhor observou quanto de água quente eu tive que adicionar até o senhor
reclamar. Tem que ser água morna. Não é senhor José? – disse o Ro berto com um belo sorriso para mim.
- Sim. Estava fria antes. –
concordei.
- O senhor precisa reclamar. Não
deixe ninguém tratar mal do senhor. Eles recebem para tratar o senhor bem.
Pensei: Que sujeito! Faltava
esse sujeito aqui.
Flávio estava entre os
enfermeiros, conversando com um e outro.
Roberto olhou para e ele e disse-me
que achava estranho o Flávio agir como se não fosse médico. Estranhava a conduta
dele.
Pensei: Ele precisa saber a
verdade. O Flávio não se chama Flávio e é advogado. Vou contar para ele. Afinal
ele precisa saber da verdade para tomar providencias.
Chamei Roberto para mais perto
de mim e falei com a voz quase murmurando que o nome do Flavio
não era Flávio, mas sim Paulo. Disse também que ele não era médico e sim
advogado.
Ele ouviu, não falou nada e saiu
da minha baia.
Pensei: Agora ele vai dar um
jeito no Paulo, no Flávio, sei lá.
Quando terminou meu banho, a
enfermeira abriu a cortina da frente. Vi que os procuradores desceram da
reunião pelo elevador situado no corredor que unia a minha UTI com outra na
posição oposta.
Eles estavam todos sorridentes, descontraídos. Mas, não vi Roberto entre
eles.
Aproximaram-se
da procuradora para conversar. Fizeram uma roda em torno dela. Eu não
conseguia entender tudo o que eles falavam. Ela parecia não concordar e eles
continuavam argumentando e riam.
Finalmente, consegui ouvir que
eles tinham feito um acordo financeiro com a diretoria do hospital. Falavam que
receberiam todo mês um determinado valor. A procuradora não concordava, mas
acabou sucumbindo.
Eles foram até o Flávio para se
despedir. Estavam saindo, voltaram-se para o Flávio e acenaram com a mão um
adeus. Foram embora.
O Flávio continuava na postura
de dono de bar, sorria aliviado, mexendo a cabeça como se estivesse dizendo
sim.
A procuradora sentou-se na
cadeira da mesa da Dra. Kátia, reuniu seus pertences e os colocou em sua bolsa.
Olhou para mim, mostrando seu
descontentamento, levantou-se, deu um adeus e foi-se embora.
continua no próximo capitulo
continua no próximo capitulo
Aos amigos leitores que leram este texto antes de 23/6/14, comunico que fim uma revisão na passagem sobre o banho na UTI, afim de melhorar a compreensão do evento. Grato
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