Capitulo V – O segredo da UTI
Na visita do dia seguinte,
recebi a visita da minha mulher Cristina e da minha filha Michelle, que queriam
saber como estava. Eu fazia sinais com a mão, indicando sim ou não, respondendo
suas perguntas. Eu queria contar sobre a tentativa de assassinato que
presenciara na noite anterior. Mas, não conseguia falar, pois estava entubado.
Nem conseguia me concentrar para falar por mimica. Estava muito dopado e
sonolento.
Depois, apareceu minha irmã Sarah e meu irmão
Luis. Como não conseguia falar, minha irmã Sarah levou um caderno de brochura e
uma caneta para que eu escrevesse o que quisesse falar. Não consegui escrever.
Começava, mas não terminava. Estava com muita sonolência.
Acabou a visita. Foram todos
embora.
Pensei: Quando eu estiver
melhor, vou escrever uma mensagem contando o que acontece aqui.
Como a minha irmã deixara o
caderno e a caneta comigo, resolvi esconde-los sob a minha perna esquerda.
Cochilei. Quando acordei estava
um pouco mais consciente.
Pensei: Vou escrever agora.
Passei a mão sob a minha perna e
não encontrei nada. Algum enfermeiro havia retirado o caderno e a caneta de
baixo da minha perna, quando eu cochilava.
Olhei ao redor e vi o caderno
sobre o criado mudo à minha esquerda.
Fiz um movimento com os braços para
chamar a atenção de quem passasse. Apareceu uma fisioterapeuta, de nome
Fernanda, que me atendeu.
Apontei para o caderno.
Ela perguntou se eu queria o
caderno. Respondi que sim, movimentando a cabeça para cima e para baixo. Ela
entregou-me o caderno e a caneta.
Quando comecei a escrever
apareceu uma enfermeira. Ao ver-me com uma caneta na mão, veio correndo a meu
encontro, dizendo brava que eu não poderia portar uma caneta.
Tentei falar, mas não conseguia.
Então, passei a gesticular demonstrando que queria escrever. A enfermeira disse
que não podia. Que era muito perigoso e que poderia me machucar. Que não era
permitido paciente algum usar caneta na UTI.
Como eu insistisse em escrever
ela concordou, com a condição de que eu escrevesse, enquanto ela estivesse do
meu lado.
Pensei: Será que ela quer ler o
que vou escrever? Lógico que sim. Ela não quer que eu escreva sobre as
tentativas de assassinato de ontem à noite. È isso. Por isso fica inventando um
monte de coisas para impedir que eu escreva. É isso ai. Vou disfarçar.
Comecei a desenhar um avião.
A enfermeira perguntou se não
iria escrevera algum recado para minha família. Respondi que não, movendo minha
cabeça de um lado para o outro.
E continuei desenhando.
A enfermeira foi chamada para
atender um paciente. Ela se afastou de mim.
Pensei: Agora escrevo.
E escrevi: Morte aqui chama a
policia
Olhei para o lado e vi que o
italiano me olhava.
- É um recado para sua família?
– perguntou ele.
- Sim. – respondi.
Rasguei uma tira de papel com o
texto escrito e enrolei.
Pensei: Onde escondo esse papel?
Se deixar embaixo da minha perna vão encontrar. Não posso deixar ai.
Procurei algum lugar para
esconder a tira de papel, para entregar a minha familia, quando viessem
visitar-me. Não encontrei nenhum lugar para esconder.
A enfermeira voltou.
Fechei a mão e escondi o pedaço
de papel. Enfiei o braço dessa mão sob o lençol e fiquei quieto.
Ela perguntou se queria
continuar desenhando. Respondi que não, movendo a cabeça. Ela pegou o papel e a
caneta, que estavam sobre a cama e os colocou sobre o criado mudo.
Depois, foi embora.
Finalmente vi que havia na
lateral da cama um pequeno buraco, onde introduzi o papel enrolado.
Dormi tranqüilo. Quando
acordei tentei conversar com o italiano do meu lado esquerdo.
Ele me contou que morava em São Caetano , tinha um
pequeno negócio próprio e estava internado porque tinha tido um enfarte.
Disse que minha família veio me
visitar, mas eu estava dormindo tão profundo que ninguém quis me acordar. Disse
que avisara minha família que eu tinha um bilhete para entregar, mas ninguém
encontrou nada.
Imediatamente, enfiei o dedo no
buraco onde guardara o bilhete. Não encontrei o papel. Fiquei assustado.
Pensei: Eles acharam o papel com
o meu recado. Desgraçados. Será que leram? Se leram que se dane. Não escrevi
nada de mais... Agora já era. Mas, eles não podiam ter pego. Era meu... Eles
vigiam tudo, aqui. Impressionante.
Perguntei ao italiano se ele
vira alguém mexer nas minhas coisas. Ele disse que não vira nada. Perguntou
sobre o que era o recado. Disse que era para alertar sobre as tentativas de
morte daquela noite em que tentaram mata-lo. Perguntei se, realmente, ele não
percebera que tentaram mata-lo, como ele afirmara para o diretor do hospital.
Surpreendentemente, ele me disse
que tentaram matar ele sim e que isso não era a primeira vez. Que já tinham
tentado outras vezes.
Um enfermeiro que estava próximo
ouviu nossa conversa e repreendeu o italiano.
Não gostei do modo como ele
falou com o italiano e disse-lhe:
- Olha, ele está falando uma
coisa séria. Aqueles enfermeiros naquela noite tentaram matar ele sim. Ele
acabou de confirmar.
O enfermeiro se aproximou de mim
e disse:
- Pois então, voce sabia que esses
dois ai, que voce está falando, foram demitidos? Por sua causa. Agora eles vão
enfrentar dificuldades para arrumar novo emprego. Olha só o que você aprontou.
- Mas... Eu não tenho culpa. Eles
é que estavam cometendo um crime. Eles deviam agradecer por não serem presos.
- Olha. Você não sabe de nada...
Aqui na UTI é um entra e sai de paciente. O movimento é grande. Tem muita gente
precisando entrar. Você sabe, a gente precisa desocupar os leitos para
recebermos novos pacientes.
- Então... Vocês matam?
- Aqui muita gente morre. Todo
dia. Não são todos que se recuperam.
- Então, vocês matam de verdade?
- Na verdade, a gente ajuda a
natureza a resolver logo.- respondeu ele tranquilamente. Mas, só aqueles em estado terminal. –
concluiu.
- E por quê? – perguntei
curioso.
- Ora, meu caro, o custo de uma
UTI é muito alto. Você acha que os planos de saúde conseguem pagar todos os
custos? Então a gente faz um reforço de caixa, matando, retirando os órgãos e
vendendo.
- Mas... Mas, ninguém desconfia
de nada? A família não percebe? – perguntei sem entender nada.
- Deixa eu te explicar. A gente
tira os órgãos, fecha o corpo, veste uma bela roupa e entrega para a família o
corpo dentro de um caixão, cheio de flores. Você acha que alguém vai tirar o
corpo do caixão, tirar a roupa, só para ver se houve retirada de órgãos? –
disse ele com um sorriso malandro.
- Que crime perfeito! – conclui
estupefato.
Pensei: E agora o que é que eu
faço? Tomei conhecimento de um crime e nada posso fazer. Estou entrevado na
cama. Ou eu finjo que acho legal o que eles fazem e fico vivo, ou se eu
demonstrar que estou contra, eles me matam!
Optei por me entrosar e disse
confiante:
- Comigo tudo bem, não é?
- Depende.
- Como depende? Você me contou todo o esquema. Achei genial.
Fique tranqüilo que não vou contar para ninguém. Agora sou da sua turma. Quando
sair daqui, vou até dar uma mãozinha para vocês. - disse
- Você sabe... a gente ganha
pouco como empregado. Então, temos que fazer um bico. A gente ganha pelo
serviço de encaminhar o paciente. É a nossa parte.
Meu coração disparou. Senti medo
e aflição.
Pensei: Calma. Calma. Muita
calma. Não posso desesperar. Calma. Preciso agir com inteligencia... O que ele
quer, afinal?... Calma.
- Como assim? – perguntei.
- Se você estiver comigo está
com Deus. Ninguém mexe com você.
Percebi que a conversa virou uma
extorsão. Perguntei:
- Quanto você quer pra me deixar
vivo?
- Você é que sabe.
- Está bem. Pode ser mil reais?
– perguntei.
- É pouco... Você pode mais. Você é doutor.... A gente vê que o senhor é patrão.
- Não é bem assim...
- Doutor! – falou rindo, com ar de
deboche e respeito.
- Outra coisa... Eu não tenho dinheiro
guardado aqui comigo.
- Eu sei. Peça para sua esposa
trazer. Ela está aqui todos os dias, não está?
- Sim, está... Mas ela pode
desconfiar. Se pedir muito ela pode por tudo a perder. Sabe como é mulher. Mil
reais é muito dinheiro. Está bom, vai.
Como ele não falou nada, disse:
- A gente é amigão, não é?
- Está bom! Milão... Mas para
cada um. - propôs o enfermeiro.
- Como para cada um?
- É para mim e para outro colega
que estamos protegendo você.
- Fechado, amanhã vou pedir para
minha mulher trazer a grana. Vou dizer que é uma caixinha para vocês, que vocês
estão me tratando muito bem. Aquelas coisas.
- Estamos aguardando... Estamos
aguardando. Lembra que enquanto isso, a máquina não para. Agiliza.
Agiliza...
Pensei: Que situação! E agora
mais pressão. Isso aqui parece um inferno!
Meu coração continuava bater
forte. A emoção de passar por aquela situação constrangedora fora muito grande.
Mesmo sabendo que consegui encontrar uma solução para o problema, precisava
resolver esse problema o quanto antes, para ficar tranquilo.
Era de manhã. Minha esposa veio
me visitar. Toda sorridente perguntou como estava. Eu nem quis muita conversa e
fui logo dizendo:
- Olha, traz dois mil reais para
eu dar de presente para uns enfermeiros.
Ela estranhou e disse:
- Como assim? Porque tudo isso?
- Você não entende. Eu preciso
dar esse presente. Eles estão cuidando de mim.
- Mas, a gente só dá na saída. Você
sabe disso. E muito menos. Acho muito, Ge
- Cris.. Tem que ser agora. Eu
prometi. Não complica.
- A gente não tem esse dinheiro sobrando...
O que está acontecendo? Fala para mim, amor.
- Nada. Está tudo bem.
- Você está estranho... Tem
alguma coisa que você não quer me dizer.
- Eu não posso falar... Agora. -
disse dissimulando e olhando para os lados para ver se não tinha ninguém
ouvindo nossa conversa.
- Disfarça. – disse. - Tem gente
olhando para nós.
- Como assim? – perguntou minha
mulher.
- Aqui é um ambiente perigoso...
Só posso falar isso. Traz a grana.... Logo.
- Como assim, perigoso? Não tem
perigo nenhum. Você está na UTI. Todo mundo aqui está preocupado em ver você
melhorar.
- Por favor, traz a grana.
Ela concordou e disse que meu
irmão estava lá fora e queria me ver. Ela disse que iria sair para que ele
pudesse entrar. Antes de sair reclamou das regras do hospital que só permitia
um visitante por vez na UTI.
Demorou um pouco e apareceu meu
irmão Luis.
Segundo relato dele eu olhava
com os olhos esbugalhados, parecendo que havia consumido drogas.
- A Cris
disse que você quer dar dinheiro para uns enfermeiros. Não
precisa, não, Ge.
- Lu, eu preciso dar a grana. Se
não, eles me matam!
- Você está imaginando coisas. –
disse o Luis rindo. - Aqui está todo
mundo querendo ver você bem. Não tem nada disso.
- Não é assim, Lu.
- Você está viajando...
Pensei: Como viajando? Eu estou
aqui dentro e sei de tudo. Ele está lá fora e não sabe de nada. Ele tem que
acreditar em mim. Se não estou perdido.
- Se você não acredita em mim,
pode ir embora. – disse irritado com a falta de compreensão dele.
- Ge, fica calmo. Você precisa
relaxar para se recuperar logo e sair da UTI.
- Lu, é verdade... - insisti.
- Isso é sua imaginação.
Pensei novamente: Não é
possível. Ele é tão inteligente e não quer acreditar que aqui dentro tem
assassinato! Como é que pode?
Ele sorriu para mim e com um
olhar amigo e disse:
- Relaxa. Está tudo bem.
- Lu, acredita em mim.
- Eu acredito, mas os remédios
estão fazendo você viajar.
Pensei: Que remédio? Não estou
tomando nenhum remédio. Estou bem. Ele é que cego! O pior cego é aquele que não
quer ver! Ele não quer me ajudar.
Fiquei indignado com meu irmão. Não
entendia o porque. Mas acreditava que ele não queria me ajudar.
Fechei os
olhos e dormi. continua no próximo capitulo
Link para o próximo capitulo: https://resenhadoze.blogspot.com.br/2014/06/uma-experiencia-bio-desagradavel_19.html
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